Envio de mísseis de longo alcance à Ucrânia envolverá EUA na guerra, ameaça Rússia

Com avanço ucraniano no nordeste do país, Kremlin sobe o tom contra colaboração entre Washington e Kiev

Os EUA já forneceram mais de uma dezena de sistemas de mísseis Himars à Ucrânia Foto: Tony Overman/The Olympian via AP

Por Estadão

MOSCOU – Após o sucesso da Ucrânia em uma contraofensiva para recuperar parte dos territórios sob comando das forças russas, a Rússia alertou os Estados Unidos que o fornecimento de mísseis de longo alcance a Kiev cruzaria uma “linha vermelha” e poderia tornar o país uma parte direta do conflito. Os americanos já enviaram dezenas de sistema de lançadores de mísseis, que foram essenciais para o avanço ucraniano nas últimas semanas, mas ainda não há informações sobre envios de mísseis de fabricação americana.

O aviso aos EUA foi dado nesta quinta-feira, 15, pela porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova. “Se Washington decidir fornecer mísseis de longo alcance para Kiev, estará cruzando uma linha vermelha e se tornará uma parte direta do conflito”, disse durante coletiva de imprensa. O mesmo aviso já havia sido feito pelo vice-chanceler Sergei Riabkov no início do mês à televisão estatal.

Até o momento, as autoridades americanas se abstiveram de fornecer à Ucrânia mísseis de longo alcance, temendo que o país poderia utilizar para atingir alvos dentro do território russo. Por definição, um míssil de longo alcance é aquele que pode atingir um alvo a mais de 5.000 km de distância, também chamados de mísseis balísticos intercontinentais.

Olympian via AP

O que o país tem feito é fornecer os poderosos lançadores de foguetes Himars, com capacidade de disparar mísseis em alvos a até 80 km de distância. Mas não há informações de que Washington tenha fornecido os mísseis que poderiam ser utilizados junto ao sistema, o que permitiria atingir alvos a até 300 km de distância – ainda considerado de menor alcance.

Esses sistemas, juntamente com outros armamentos e ajudas militares fornecidas pelos EUA e demais países ocidentais têm sido fundamentais para a resistência ucraniana em uma guerra que já se arrasta por quase sete meses contra um país que é uma potência militar e nuclear. Foi graças a eles que Kiev conseguiu lançar uma série de contraofensivas que retomou parte dos territórios sob comando russo na guerra, incluindo a estratégica cidade de Kharkiv.

O operação, lançada com ajuda das Inteligências dos EUA e Reino Unido, contou com duas ofensivas, uma no sul – esperada há meses desde que a Rússia conquistou a região e o Donbas – e outra no nordeste, em Kharkiv, que foi uma surpresa e forçou o recuo das tropas russas, anunciado inclusive na televisão estatal da Rússia. Após o sucesso, a Ucrânia voltou a fazer apelos por mais armas pesadas, com envios mais rápidos – especialmente à Alemanha que ainda não entregou o que prometeu.

Mas o envio de mísseis com capacidade de atingir o território russo é algo que preocupa as autoridades ocidentais que temem ser tragadas para o conflito. Segundo o artigo 5 do tratado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), se um país membro for alvo de qualquer ataque, todos os demais devem vir a seu socorro. Na prática, se Moscou interpretar um ataque de mísseis americanos como ato dos EUA e retaliar, todos os demais 30 membros seriam obrigados a entrar na guerra.

Os EUA afirmam que receberam garantias de que a Ucrânia não vai atacar territórios russos, mas um ataque ucraniano a uma base militar russa na Crimeia despertou preocupação. Depois de negar a autoria, Kiev assumiu ter cometido a série de explosões em um território que originalmente pertence à Ucrânia, mas foi anexado pela Rússia em 2014, que o vê como seu território desde então.

Com o sucesso da operação, a Ucrânia – que temia ser esquecida pelo Ocidente conforme a guerra se prolongasse – renovou seus pedidos por mais armas e cobrou o chanceler alemão, Olaf Scholz, para entregar os tanques Leopard que prometeu. Nesta quinta, porém, o país avisou que ainda não pretende entregar os tanques no futuro próximo.

Veículos blindados serão entregues muito em breve a Kiev, mas não os tanques reivindicados, anunciou a ministra da Defesa alemã. “É encorajador ver os sucessos que a Ucrânia alcançou nos últimos dias, especialmente graças às armas alemãs”, disse Christine Lambrecht a repórteres. A ministra anunciou o envio de dois novos lançadores múltiplos de foguetes Mars-II, além de 200 foguetes. A Ucrânia também receberá 50 veículos de transporte Dingo.

Retaliação russa

À medida que os militares ucranianos avançam com sua ofensiva, os russos respondem com ataques a infraestruturas vitais da Ucrânia, colocando, inclusive, a cidade natal do presidente Volodmir Zelenski em risco de inundação.

A cidade de Krivoi Rog, no centro da Ucrânia, ficou em risco de inundação após um bombardeio russo danificar infraestruturas hidráulicas e provoca a cheia do Rio Inhulets, informou na quarta-feira, 14, a presidência ucraniana.

Na manhã desta quinta, porém, as águas começaram a baixar, trazendo alívio para uma cidade de mais de meio milhão de pessoas. Autoridades disseram que a catástrofe foi evitada por pouco. O míssil de cruzeiro disparado pela Rússia danificou a barragem, mas não deixou um grande buraco. Autoridades disseram que as inundações diminuíram. Muitas pessoas que haviam fugido de suas casas estavam retornando.

Mulher caminha em uma rua inundada depois que uma estrutura hidráulica foi atingido por um míssil disparado pela Rússia em Krivoi Rog Foto: Mykola Synelnykov/Reuters pela Rússia em Krivoi Rog Foto: Mykola Synelnykov/Reuters

A barragem em Krivoi Rog “não tinha valor militar algum”, disse Zelenski após o ataque, chamando os russos de “canalhas” e “fracos”. O ataque à barragem poderia ter sido um desastre para os civis na cidade, mas provavelmente também serviu a um propósito militar, disseram autoridades ucranianas.

“O ataque com mísseis à barragem de Krivoi Rog foi uma tentativa de parar a ofensiva ucraniana em Kherson, inundando o rio Inhulets e destruindo os pontões ucranianos”, disse Oleksi Arestovych, assessor do presidente ucraniano.

Os militares ucranianos estão construindo às pressas pontes flutuantes leves para atravessar o rio Inhulets. Alguns estrategistas militares e oficiais ucranianos acreditavam que os russos tinham como alvo a barragem para causar uma inundação e varrer as pontes ucranianas.

A ofensiva em curso no sul está concentrada em terras controladas pela Rússia a oeste do Rio Dnieper, que corta a Ucrânia de norte a sul. Ao contrário do ataque surpresa no nordeste na semana passada, a Ucrânia comunicou pesadamente sua ofensiva no sul com semanas de antecedência, atacando linhas de abastecimento russas e travessias de rios críticos em uma tentativa de prender soldados russos na margem oeste do rio.

Autoridades em Krivoi Rog ainda estavam avaliando a extensão total dos danos à barragem nesta quinta. A estrutura de 200 metros de comprimento retém quase 300 milhões de toneladas de água em um reservatório aberto. Foi criado nos tempos soviéticos para abastecer as empresas de mineração e metalurgia desta área fortemente industrializada.

A barragem não foi a única atacada nos últimos dias. Esta semana, os russos explodiram usinas de energia em Kharkiv, cortando a energia para grandes áreas da segunda maior cidade da Ucrânia. E da noite para o dia, as autoridades ucranianas relataram mais ataques à infraestrutura nas regiões de Zaporizhzhia e Dnieper.

Líder europeia visita Kiev

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, viajou nesta quinta à Ucrânia para se encontrar com Volodmir Zelenski, ao mesmo tempo que o presidente russo, Vladimir Putin, se reúne com seu homólogo chinês, Xi Jinping no Usbequistão. Em Kiev, Von der Leyen prometeu apoiar a Ucrânia até quando for necessário.

“Nunca seremos capazes de igualar o sacrifício que os ucranianos estão fazendo, mas o que podemos dizer é que eles terão seus amigos europeus ao seu lado pelo tempo que for necessário”, disse em entrevista coletiva ao lado de Zelenski.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, e o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, durante coletiva de imprensa em Kiev Foto: Valentyn Ogirenko/Reuters

“A todos os estados membros: é absolutamente vital e necessário apoiar a Ucrânia com o equipamento militar que eles precisam para se defender. Eles provaram que são capazes de fazer isso se estiverem bem equipados”, disse ela. “Esta é a recomendação geral para todos os estados membros.”

Von der Leyen disse que, embora seja sua terceira visita à Ucrânia desde que a Rússia invadiu o país em fevereiro, esta é diferente. “Muitas coisas mudaram. A Ucrânia agora é candidata à União Europeia”, escreveu nas redes sociais.

Os países europeus aprovaram em junho o status de país candidato à UE da Ucrânia, que desde o início da invasão russa em 24 de fevereiro intensificou os esforços para aderir ao bloco e à Otan. Hoje, a líder europeia disse que “o processo de ascensão do país está bem encaminhado”./AP, AFP e NYT

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