Na manifestação, Aras citou a pandemia para insinuar que o presidente Jair Bolsonaro pode decretar estado de defesa.
Por Estadão
BRASÍLIA – Membro do Conselho da República, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Velloso, afirmou ter entendido como “engano” a menção do procurador-geral da República, Augusto Aras, a um eventual decreto de estado de defesa diante do agravamento da crise do novo coronavírus no País.
Na manifestação, Aras citou a pandemia para insinuar que o presidente Jair Bolsonaro pode decretar a medida com o objetivo de preservar a estabilidade institucional e disse que o tempo é de “temperança e prudência”. A nota, divulgada na terça-feira, 19, provocou críticas no Congresso e no próprio Ministério Público e foi considerada um “desastre” por atuais integrantes da Corte Suprema.
“Acho que o procurador se enganou em falar numa medida tão drástica, que tem por finalidade justamente garantir o pleno funcionamento do estado democrático”, afirmou Carlos Velloso ao Estadão/Broadcast. “As instituições no País estão funcionando regularmente. O que é necessário é que a União tome as providências que lhe cabem como competente para resolver essa questão relacionada com a covid-19, que é um problema mundial.”
Velloso é um dos membros do Conselho da República, órgão ao qual o presidente da República deve consultar antes de decretar um estado de defesa, além do Conselho de Defesa Nacional. Ele foi nomeado para o cargo pelo ex-presidente Michel Temer em 2018 e analisou o decreto de intervenção federal na segurança pública do Rio.
Para o ex-presidente do STF, se consultado, o posicionamento do conselho seria contrário ao estado de defesa. “É uma questão muito clara”, afirmou Velloso.
Um decreto de estado de defesa daria poder ao chefe do Planalto para uma série de medidas coercitivas, como restrições de direitos de reunião, de sigilo de correspondência e de comunicação telegráfica e telefônica. A medida, no entanto, teria antes de ser aprovada pelo Congresso.
De acordo com a Constituição, o estado de defesa tem como objetivo “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.
No ano passado, Bolsonaro decretou estado de calamidade pública em razão da pandemia, que permitiu ao governo federal, Estados e prefeituras tomarem medidas como a dispensa de licitações em compras relacionadas ao combate à covid-19 e o descumprimento de regras fiscais que limitam gastos. O decreto foi aprovado pelo Congresso e sua vigência se encerrou em 31 de dezembro do ano passado. “O estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa”, diz Aras na nota que causou polêmica.
Na mesma manifestação, o procurador-geral colocou na conta do Congresso Nacional a análise de “eventuais ilícitos” de agentes políticos. Bolsonaro já foi alvo de 61 pedidos de impeachment na Câmara, e os processos têm aumentado desde a crise de saúde no Amazonas, onde o sistema de saúde entrou em colapso com a falta de oxigênio para pacientes.
Para Velloso, porém, Aras também se equivocou sobre esse tema: “Cabe ao procurador-geral da República verificar se membros da sociedade precisam da atuação mais eficiente das autoridades e promover medidas judiciais capazes de resolver a questão”.
A menção da PGR ao estado de defesa ocorreu um dia após Bolsonaro dizer que as Forças Armadas são as responsáveis por decidir se há democracia ou ditadura em um país. Sobre a afirmação de Bolsonaro, Velloso a definiu como “absolutamente inadequada” e foi enfático ao repudiá-la: “Esta é uma afirmação mais adequada em uma república bananeira, não em um estado onde a democracia está funcionando regularmente”.