Ministério da Defesa agiu para que todos os militares da ativa das três Forças em Brasília fossem vacinados como grupo prioritário.
Por Folhapress
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Provas reunidas pelo MPF (Ministério Público Federal) mostram que o Ministério da Defesa agiu para que todos os militares da ativa das três Forças em Brasília fossem vacinados como grupo prioritário.
A iniciativa, segundo o MPF, contraria notas técnicas do Ministério da Saúde que ordenaram uma fila de vacinação diante da insuficiência de imunizantes contra a Covid-19.
Com a ofensiva, 100% dos efetivos de Exército, Aeronáutica e Marinha no DF -29.671 homens e mulheres- foram incluídos como prioridade na fila de vacinação, com aval do Ministério da Saúde.
Um inquérito civil público foi instaurado em 25 de junho para investigar como militares das Forças Armadas e agentes de forças de segurança foram privilegiados na imunização.
Esses servidores acabaram incluídos em listas amplas de vacinação, sem que fosse levado em conta o critério do Ministério da Saúde de que os priorizados devem ser profissionais na linha de frente do combate à pandemia.
Documentos e depoimentos de servidores, tanto do ministério quanto da Secretaria de Saúde do DF, revelam que coube ao Ministério da Defesa buscar a garantia de que todos os militares das três Forças em Brasília fossem vacinados com prioridade, contrariando notas que balizam o PNI (Programa Nacional de Imunizações).
Os indícios reunidos no inquérito apontam que lotes de vacinas foram destinados com exclusividade às Forças Armadas, com participação do QG (Quartel-General) do Exército, a quem coube executar a vacinação dos militares.
Os lotes eram reservados, conforme as provas reunidas no inquérito, e não poderiam ter outra finalidade.
Nos primeiros dias de junho, o Exército já vacinava militares de 43 anos de idade até mesmo de setores administrativos, enquanto a imunização de civis em Brasília patinava na faixa de 50 a 59 anos, como o jornal Folha de S.Paulo mostrou em reportagem publicada em 15 de junho.
No dia 18 do mesmo mês, a faixa etária para vacinação no Exército já havia caído para 34 anos. E seguiu caindo nas semanas seguintes.
Na Aeronáutica, o ritmo também foi acelerado. Emails de convocação interna para a vacinação mostram que jovens de 22 anos já eram chamados para se vacinar no dia 8 de julho.
A reportagem questionou o Ministério da Defesa sobre as provas reunidas pelo MPF. Um email foi enviado às 11h47 de segunda-feira (19) e um novo email, às 17h06 do mesmo dia. Não houve resposta.
O privilégio aos militares é o contrário do que se vê na campanha de vacinação de outros cidadãos em Brasília. Caótica e empacada nos 40 anos, a campanha é marcada por um sistema de agendamento que sai do ar quase diariamente.
As vagas são insuficientes, o que leva a um sorteio de vacinas. Moradores da capital buscam imunizantes em cidades goianas no entorno do DF, todas elas bem mais pobres que a capital federal.
Em um ofício de 22 de junho, a Secretaria de Saúde informou o MPF em Brasília sobre o quantitativo de pessoas do grupo “Forças Armadas” que deveria ter prioridade na vacinação contra a Covid: 29.671. O número, segundo o ofício, foi definido pelo Ministério da Saúde.
A procuradora da República Ana Carolina Roman, responsável pelas investigações, quis saber então qual o tamanho do efetivo das Forças Armadas no DF. Para isso, enviou um ofício ao Ministério da Defesa.
Uma planilha foi enviada ao MPF no dia 6 de julho. Ao todo, são 29.797 militares da ativa no DF, assim distribuídos: 18.406 no Exército, 7.687 na Aeronáutica e 3.704 na Marinha.
Os dados do Ministério da Defesa confirmaram que todo o efetivo foi incluído como prioritário na disputa por doses de vacinas. Roman, então, buscou informações sobre a origem da inclusão desse número que baliza a distribuição de doses.
Primeiro, a procuradora fez uma reunião virtual com a enfermeira Christiane Braga de Brito, subsecretária de Planejamento em Saúde da Secretaria de Saúde do DF. Ela prestou um depoimento em 29 de junho.
“O Ministério da Saúde tem encaminhado quantidades específicas para as Forças. É operacionalização nossa, mas essas doses são federais. E hoje tem concentrado isso no QG [do Exército]. É feito com a participação das Forças Armadas. Encaminhamos as doses e o público-alvo”, afirmou a subsecretária.
Roman questionou quem definiu a quantidade de pessoas das Forças Armadas a serem vacinadas. “Quem informou foi o próprio Ministério da Defesa. Ele informou, passou isso para o Ministério da Saúde, e houve essa diferença em relação à distribuição aos estados”, respondeu Brito.
Segundo a subsecretária, a distribuição a “forças federais” vem “mencionada separadamente”. “O ministério menciona o que há ali de categorias, estratificação das quantidades de doses. O que nós recebemos é o que está na pauta. Forças Armadas vêm especificado.”
Para a procuradora da República, as notas técnicas do Ministério da Saúde “estão bastante claras”: devem ser contemplados como prioritários somente os que estão envolvidos no combate direto à pandemia.
Roman quis saber se a secretaria entende que todo o contingente das Forças Armadas deve ser vacinado como grupo prioritário. “Não. À medida que o ministério encaminha para as Forças Armadas o quantitativo, é passado para eles e eles fazem a vacinação dentro das Forças Armadas”, respondeu.
No último dia 1º, a procuradora da República fez uma reunião virtual com servidoras técnicas do PNI e com o então diretor do Departamento de Imunização do Ministério da Saúde, Laurício Monteiro Cruz. Ele foi demitido do cargo uma semana depois, por suspeita de participação num mercado paralelo de vacinas junto à pasta, investigado pela CPI da Covid no Senado.
Duas integrantes do PNI participaram da reunião: Thaís Minuzzi e Caroline Gava. “O grupo ‘Forças Armadas’ a gente recebeu banco de dados do Ministério da Defesa. Todos os dados de estimativas foi o próprio Ministério da Defesa que encaminhou pra gente. Inclui qualquer servidor, seja da parte militar, qualquer trabalhador dessa área de Forças Armadas”, disse Minuzzi.
Roman questionou: “Todos? Pelo que entendi da nota técnica de vocês, seriam apenas os que estão de alguma forma destinados a atividades de combate à pandemia”. Minuzzi respondeu: “Alguns grupos a gente contemplou na íntegra. Nas Forças Armadas, às vezes o trabalhador faz aquele serviço de gestor e está no campo”.
A procuradora questionou sobre a justificativa técnica para a inclusão da totalidade das Forças Armadas como grupo prioritário em Brasília. “Ele é visto como serviço essencial para manutenção da ordem, assim como as forças de segurança”, respondeu Gava.
Um primeiro grupo previsto no programa era “forças de segurança e salvamento e Forças Armadas”. O quantitativo de pessoal na linha de frente, informado no plano inicial, é de 6.753 pessoas. Em 20 de junho, já haviam sido vacinados 19.651 pessoas, ou 291% do total, conforme os números repassados ao MPF.
Naquele dia, o total de militares das Forças vacinados era de 7.836. Um vacinômetro alimentado pelo governo do DF mostra que essa quantidade já quase dobrou: está em 14.671, conforme dados do último dia 18.