Mudança busca conquistar apoio para aprovar drible no teto de gastos e abertura de espaço orçamentário
Por Folhapress
BRASÍLIA
Governo e Congresso costuram um acordo para parcelar em três anos o pagamento de precatórios da educação e tentar destravar a PEC (proposta de emenda à Constituição) que abre espaço no Orçamento para ampliar o novo Bolsa Família e para outras despesas.
O acordo está sendo costurado pelo relator do texto, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), com integrantes da equipe econômica.
Segundo a negociação em curso, os recursos ficariam dentro do teto de gastos e seriam pagos da seguinte forma: 40% desses precatórios seriam quitados no próximo ano, 30% em 2023 e outros 30% no ano seguinte. O governo teria aceitado a proposta e a mudança ocorreria diretamente no plenário.
O objetivo é diminuir a resistência provocada pela pressão de professores e de governadores de estados como Bahia, Pernambuco, Ceará e Amazonas, que fizeram uma ofensiva para que parlamentares dessas bancadas votassem contra o texto.
Os precatórios da educação foram conquistados pelos estados após contestações na Justiça sobre os valores recebidos da União por meio do Fundef –fundo de educação extinto em 2006 e que antecedeu o atual Fundeb.
Governadores afirmam ter direito a receber esses recursos por pagamentos feitos abaixo do mínimo necessário ao longo dos anos. O Fundef responde por R$ 15,6 bilhões (ou 17%) dos R$ 89,1 bilhões em precatórios previstos para o ano que vem.
Há um entrave para que a mudança seja contemplada na PEC em discussão. Como anteriormente não foram apresentadas emendas propondo um tratamento especial para precatórios do Fundef, existem dúvidas sobre como prever uma regra diferente para essas dívidas.
A proposta de parcelar em três anos é vista por integrantes da bancada de educação como um avanço na negociação, pois antes não havia uma perspectiva de quando os recursos seriam pagos.
Nesta quarta, ao deixar a residência oficial do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), reconheceu a possibilidade de parcelamento. “Alguns estão pedindo para haver o parcelamento do Fundef, e o relator, Hugo Motta, está, então, conversando com os governadores, com os deputados, com as bancadas que são mais ligadas à educação e que estão se comprometendo a votar se houver essa possibilidade”, disse.
Barros expressou otimismo com a votação e disse esperar um “bom número de votos” para passar a PEC dos Precatórios em dois turnos. Questionado sobre quantos votos, respondeu: “o suficiente para aprovação”.
O baixo quórum foi o motivo pelo qual Lira optou por não votar o texto na semana passada, a primeira de retorno presencial dos deputados. O presidente da Câmara foi pressionado por ministros do governo e líderes partidários a rever a decisão para tentar aumentar as chances de aprovação da PEC, mas se manteve firme e sinalizou que descontaria os salários dos faltosos.
Alguns partidos circularam entre suas bancadas mensagens informando que haveria efeito administrativo em todas as votações da PEC e que justificativa de ausência não anularia a falta, somente se comprovada com documentos.
A PEC não diz para onde o dinheiro vai, é um cheque em branco para o Bolsonaro gastar onde quiser
GLEISI HOFFMANN (PT-PR)
Deputada federal
Lira, no entanto, flexibilizou algumas regras e editou um ato para permitir que deputados que estiverem em missão autorizada pela Câmara pudessem votar remotamente —há alguns nessa condição, entre eles participantes da COP26, conferência climática que acontece em Glasgow (Escócia) até 12 de novembro.
“Essa dispensa permitirá que os parlamentares em missão possam registrar presença em sessão e reunião, além de realizar votações, tanto de natureza procedimental quanto de mérito, por meio do aplicativo lnfoleg”, indica o ato publicado nesta quarta.
Às 18h30, meia hora após o horário marcado para o começo da sessão deliberativa, havia 398 deputados com presença registrada na Câmara —quórum considerado arriscado para votação de uma PEC, que exige o apoio mínimo de 308 deputados, em votação em dois turnos.
Auxiliares palacianos creditaram parte da dificuldade em atingir o quórum ao que chamaram de intransigência de Lira para que a sessão ocorra de forma presencial.
De acordo com esses interlocutores, há muitos parlamentares que deixaram de vir a Brasília por causa do coronavírus e costumam votar sempre com o governo.
Para esses auxiliares, a votação deveria ser semipresencial, sistema que vigorou por conta da pandemia até recentemente, quando Lira anunciou retorno presencial dos trabalhos, com apresentação de comprovante de vacinação.
Além disso, já há um discurso político ensaiado nos corredores do Planalto, caso a PEC não passe. Interlocutores do presidente afirmam que a resistência de partidos tem a ver com as eleições presidenciais de 2022. Os maiores adversários à proposta —oposição, MDB e PSDB— têm nomes para disputar contra Bolsonaro nas urnas.
A oposição tem criticado o texto e argumenta que professores perderão recursos se a PEC dos Precatórios for aprovada.
A deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou em discurso no Plenário que a PEC é um cheque em branco para Bolsonaro e questionou a tese de que o dinheiro irá para os mais vulneráveis. “Não dá para aprovar essa PEC, é uma aprovação no escuro”, disse.
“A PEC não diz para onde o dinheiro vai, é um cheque em branco para o Bolsonaro gastar onde quiser. Ele está dizendo junto com o Paulo Guedes, mas não dá para acreditar porque são mentirosos, que uma parte vai para o Auxílio Brasil, para o auxílio emergencial. Mas quanto vai, a metade? E o resto vai para onde, para o orçamento secreto, porque esta Casa quer continuar com as emendas de relator?”, afirmou a deputada.
Nos últimos dias, a PEC causou uma queda de braço entre a Câmara e o Palácio do Planalto por causa da verba para emendas parlamentares.
Enquanto deputados da base e de partidos independentes pediam a liberação de mais recursos para votarem a favor da proposta, aliados de Bolsonaro passaram a ameaçar cortar até mesmo as emendas impositivas —aquelas que obrigatoriamente precisam ser pagas pelo governo— de quem não apoiar a PEC.
Emenda parlamentar é a forma de deputados e senadores enviarem dinheiro do Orçamento federal para obras e projetos em suas bases eleitorais. Isso amplia o capital político dos congressistas e tem um peso ainda maior com a proximidade das eleições de 2022.
Líderes partidários da base do governo na Câmara intensificaram nos últimos dias a pressão para que deputados estejam presencialmente nesta quarta em Brasília em mais uma tentativa de votar a proposta que abre espaço no Orçamento. São necessários pelo menos 308 votos em dois turnos para a PEC ser aprovada e seguir ao Senado.
A expectativa inicial era a de que o texto fosse votado na última quarta-feira (27), mas o baixo quórum de deputados na primeira semana de retorno às atividades presenciais da Câmara e divergências em torno do conteúdo da proposta adiaram a votação.