Presença da sigla em orgãos como a Codevasf e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) contempla também adversários dos petistas nos estados; distribuição busca aprovação de temas como o novo arcabouço fiscal
O GLOBO
Buscando consolidar apoio no Congresso às vésperas de votações cruciais, o governo Lula (PT) ampliou espaços para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e caciques do União Brasil em órgãos como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Esta distribuição, de olho na aprovação de temas como o novo arcabouço fiscal e a medida provisória da reforma ministerial, contemplou também adversários do PT nos estados, incomodando parlamentares petistas. Lideranças do Centrão, por sua vez, argumentam que o partido de Lula também avançou em postos do segundo escalão e que é preciso repartir a influência.
Em comum, os dois órgãos têm capilaridade, capacidade de execução de obras que rendem dividendos políticos e orçamentos robustos em 2023: R$ 1,8 bilhão para a Codevasf e R$ 900 milhões para o Dnocs.
A ala baiana do União, rival do PT no estado, emplacou o novo diretor de Revitalização e Sustentabilidade da Codevasf, José Vivaldo Mendonça, no fim de março. Vivaldo, que fez campanha para ACM Neto ao governo da Bahia, já fez críticas ao ex-governador e atual ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT). Em 2018, ao romper com o PT baiano, Vivaldo reclamou do tratamento dispensado por Costa, “que manda recado e não fala direto, que trava, que deixa sabotar”, e disse que o então governador “fica cercado de quem não diz o que precisa ser dito e que acha que sabe tudo quando ainda precisa aprender muito”.
O PT da Bahia já havia se mobilizado contra a manutenção de espaços do deputado Elmar Nascimento (União-BA), aliado de Lira e crítico notório de Lula. Elmar, no entanto, manteve seu apadrinhado na presidência da Codevasf, Marcelo Andrade Moreira Pinto, além de indicações em uma das superintendências na Bahia.
No Dnocs, mudanças articuladas em prol do União Brasil também irritaram uma ala do PT, no Ceará. Em mensagem enviada ao grupo da bancada, divulgada pelo portal “Brasil de Fato” e confirmada pelo GLOBO, o deputado cearense José Airton chamou de “tremenda sacanagem e covardia” a informação de que um apadrinhado de Moses Rodrigues (União-CE) assumirá a diretoria de Produção da autarquia. O escolhido, ainda não nomeado, é o advogado Allan Galvão, que fez campanha para o candidato bolsonarista ao governo do Ceará, Capitão Wagner (União), contra o petista Elmano de Freitas.
Na mensagem, direcionada ao ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Airton afirmou que a escolha ao Dnocs, “contra a indicação do PT”, empurraria uma ala do partido “inevitavelmente para uma posição política de total independência em relação ao governo”. Procurado, ele não quis se pronunciar.
Mudança de sede
Em Alagoas, a influência de Lira na Codevasf envolveu até uma transferência de sede, aprovada pelo Conselho de Administração. Segundo a deliberação, a superintendência alagoana passa a operar na capital Maceió, enquanto o município de Penedo, sede atual, ficará com um escritório de apoio. A redução de estrutura gerou uma reclamação pública do prefeito de Penedo, Renato Lopes (MDB), que a considerou “muito prejudicial” a municípios do interior na bacia do São Francisco, o que não é o caso da capital.
A troca foi atribuída por aliados do senador Renan Calheiros (MDB-AL) a uma demonstração de força de Lira, que, em entrevista a uma rádio local, elogiou a operação da Codevasf, irrigada nos últimos anos pelo orçamento secreto, e criticou a atuação da prefeitura de Penedo. Lira já havia conseguido manter Joãozinho Pereira, seu primo, à frente da superintendência alagoana.
— Não tenho preocupação para onde vai a sede da Codevasf. Eu me preocupo com a necessidade de investigar os crimes cometidos na Codevasf com o orçamento secreto — alfinetou Renan.
Em nota, a Codevasf afirmou que as mudanças buscam “superar obstáculos logísticos e de segurança” para funcionários que vivem na capital, mas sem desmontar as atividades no interior.
Outras mudanças na Codevasf atendem a uma ala do Senado que esteve alinhada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O escolhido para a diretoria de Desenvolvimento e Infraestrutura, Henrique Coutinho Bernardes, foi assessor do ex-senador Fernando Bezerra (MDB-PE), que foi líder do governo Bolsonaro. Na superintendência do Tocantins, há um acordo para nomear Cléber Pinheiro de Souza, hoje assessor da senadora Dorinha (União-TO), que apoiou Bolsonaro no segundo turno.
PP e Republicanos, que fizeram parte da coligação de Bolsonaro mas reúnem aliados de Lula no Nordeste, também articulam para emplacar nomes no segundo escalão. Já o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da antiga gestão, perdeu apadrinhados na Codevasf e no Dnocs.
Na última semana, o PT emplacou oito das 29 superintendências regionais do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), argumento usado por lideranças do Centrão para minimizar reclamações de petistas. Siglas de esquerda, como PDT e PSB, emplacaram nomes na Codevasf.