Ucrânia e Rússia continuam trocando acusações sobre autoria dos ataques à central nuclear de Zaporizhzhia, enquanto a ONU alerta para ‘consequências catastróficas’
Por Estadão
KIEV – Os ataques se intensificaram no local da maior usina de energia nuclear da Europa durante a madrugada deste domingo, 7, enquanto o chefe da agência nuclear da ONU alerta sobre potenciais “consequências catastróficas”. Ucrânia e Rússia continuam trocando acusações sobre autoria dos ataques que já danificaram edifícios da central nuclear de Zaporizhzhia e obrigou o fechamento de um dos reatores.
Foguetes disparados na noite deste sábado, 6, caíram perto de uma instalação de armazenamento de combustível, onde estão armazenados 174 barris, cada um contendo 24 conjuntos de combustível nuclear usado, segundo a Energoatom, empresa de energia nuclear da Ucrânia. Uma pessoa ficou ferida por estilhaços e muitas janelas foram danificadas.
Em um post no aplicativo de mensagens Telegram, a empresa escreveu que “aparentemente, eles visavam especificamente os barris com combustível usado, que são armazenados a céu aberto perto do local do bombardeio”. O post afirmou ainda que três monitores de detecção de radiação foram danificados, o que impossibilita “a detecção e resposta em caso de agravamento da situação ou vazamento de radiação de barris de combustível nuclear usado”.
A Ucrânia acusou as forças russas neste domingo de realizar os disparos dos foguetes que acertaram o terreno do maior centro nuclear da Europa, que está sob controle russo desde março. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) das Nações Unidas publicou no sábado uma nota oficial em que o diretor-geral da agência, Rafael Grossi, disse estar “extremamente preocupado” com a situação e que qualquer ação militar direcionada ao centro seria como “brincar com jogo” e teria “consequências catastróficas”. Segundo ele, todos os pilares de segurança destacados desde o início da guerra foram violados. Uma autoridade regional pró-Rússia culpou as forças ucranianas pelo ataque.
Segundo o New York Times, um representante do porta-voz da diretoria de inteligência da Ucrânia, Andrei Yusov, disse que a Rússia estava bombardeando o local para destruir a infraestrutura e danificar as linhas de energia que fornecem eletricidade à rede nacional da Ucrânia e causar um apagão no sul do país. A declaração não pôde ser confirmada com fontes independentes.
Na troca de acusações, o chefe da administração pró-Rússia em Zaporizhzhia, Yevgeni Balitski, disse no Telegram neste domingo que as forças ucranianas usaram um foguete do modelo Uragan para atingir a área de armazenamento de combustível e danificar edifícios administrativos. Na última quinta-feira, 4, o ministério da defesa russo disse que as forças ucranianas lançaram um ataque de artilharia contra a usina.
Durante um programa de televisão nacional transmitido neste domingo, o chefe da administração militar regional de Zaporizhzhia da Ucrânia, Oleksandr Starukh, disse que houve apenas um atraso de três segundos entre o disparo e o desembarque de cada projétil, usando isso como evidência de que o ataque tinha vindo de forças russas nas proximidades.
Desde que invadiu a Ucrânia em fevereiro, a Rússia tornou prioritária a invasão e tomada de estruturas essenciais, incluindo usinas de energia, portos, transportes e instalações agrícolas, de armazenamento e produção.
Em um post anterior, a empresa de energia nuclear ucraniana disse que o bombardeio russo danificou uma unidade de armazenamento de nitrogênio e um edifício anexo. “Ainda há riscos de vazamento de hidrogênio e respingos de substâncias radioativas, e o risco de incêndio também é alto”, declarava o post. Yusov também disse no Telegram que as forças russas colocaram minas nas unidades de energia da usina.
A preocupação com a segurança em Zaporizhzhia vem aumentando desde março, quando um incêndio surgiu em um dos prédios durante combates, quando as forças russas assumiram o controle. As autoridades ucranianas dizem que a Rússia tem usado o complexo da usina para armazenar armas e artilharia e que, nas últimas semanas, tem bombardeado Nikopol, uma cidade próxima controlada pela Ucrânia.
Em um discurso na noite de sábado, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, disse que houve “uma piora significativa da situação em torno da usina” e acrescentou que a Rússia se tornou o primeiro país do mundo “a usar uma usina nuclear para o terror”.
A perspectiva de uma contraofensiva ucraniana para recuperar terras na província de Kherson, que fica a sudoeste de Zaporizhzhia, também aumenta a instabilidade. A situação desperta o medo de que ocorra mais um acidente nuclear na Ucrânia, que foi o local do pior desastre nuclear do mundo em 1986, quando houve um incêndio no reator de Chernobyl, no norte do país, a 110 km da capital Kiev. Até o momento, não há relatos de vazamento de radiação em Zaporizhzhia.
Uma das preocupações da AIEA é a incapacidade de acessar a central nuclear para monitorar e avaliar a situação. Na nota oficial publicada neste fim de semana, a organização afirmou que os funcionários ucranianos que atuam na planta devem estar aptos a continuar realizando suas funções sem ameaças ou pressão por parte da Rússia, para que a segurança de todos e da própria estrutura permaneça intacta.
Os trabalhadores da usina operam sob estresse, em parte porque as autoridades russas suspeitam da possibilidade de sabotagem, e o prefeito exilado da cidade vizinha de Enerhodar, Dmitro Orlov, disse que alguns funcionaram foram interrogados ou desapareceram, enquanto um foi morto.
Anistia Internacional é criticada
Neste domingo, a Anistia Internacional lamentou a indignação causada após a publicação de um relatório da organização na última quinta-feira, 4. O documento acusa as forças armadas ucranianas de colocar civis em perigo ao utilizarem escolas, hospitais, residências e outras áreas povoadas como bases militares.
“A Anistia Internacional lamenta profundamente a angústia e a indignação causadas pelo nosso comunicado de imprensa sobre as táticas de combate no exército ucraniano”, disse a ONG.
O documento levou à renúncia da diretora da AI na Ucrânia, Oksana Pokalchuk, que acusou o documento de ter apoiado involuntariamente a “propaganda russa”. Após sua divulgação, o presidente Volodmir Zelenski acusou a ONG de justificar as ações do “estado terrorista” da Rússia e de colocar “a vítima e o agressor” no mesmo nível.
A Anistia lembrou neste domingo que a sua prioridade “neste conflito e em qualquer outro é garantir a proteção dos civis”. Um dia após a divulgação do documento, no entanto, e sob fortes críticas, a ONG indicou que mantinha “plenamente” o relatório, mesmo sob fortes críticas das autoridades ucranianas./NYT e AFP