Simpatizantes de Moqtada al-Sadr deixaram a Zona Verde da capital após pedido do líder religioso; ao menos 30 pessoas morreram nos confrontos iniciados na segunda-feira, 29
Por Estadão
O Irã determinou o fechamento de sua fronteira com o Iraque e pediu que seus cidadãos deixem o país vizinho enquanto durarem os violentos protestos que se seguiram ao anúncio de aposentadoria do poderoso clérigo muçulmano xiita Moqtada al-Sadr. De acordo com o jornal britânico The Guardian, a medida de Teerã ocorreu em um momento em que milhões de iranianos se preparavam para visitar o Iraque para uma peregrinação anual a locais sagrados xiitas.
Grupos xiitas ligados ao religioso invadiram a Zona Verde de Bagdá, área da capital que concentra o Palácio Republicano, ministérios e missões estrangeiras, na segunda-feira, 29, após al-Sadr anunciar aposentadoria da vida pública em meio a uma crise de governo no país – desde as eleições realizadas em outubro do ano passado, vencidas pelo partido do clérigo, nenhuma força política foi capaz de construir maioria no Parlamento.
Uma vez na região administrativa da capital, o grupo leal a al-Sadr entrou em confronto com grupos xiitas pró-Irã, rivais na política nacional. Diante da invasão, as forças de segurança do governo intervieram. Após confrontos que incluíram o uso de granadas e metralhadoras, segundo relato da Al Jazeera, ao menos 30 pessoas morreram.
A temperatura em solo começou a baixar nesta terça-feira, 30, após al-Sadr pedir a seus apoiadores que se retirem da Zona Verde. Em um discurso televisionado, o clérigo deu uma hora para seus apoiadores saírem do local – e em poucos minutos alguns podiam ser vistos abandonando suas posições.
O chamado à paz do líder xiita foi classificado como uma demonstração do “mais alto nível de patriotismo” pelo primeiro-ministro interino Mustafa al-Kadhimi. “O discurso de Sua Eminência (al-Sadr) impõe a todos a responsabilidade moral e nacional de proteger as capacidades do Iraque, interromper a linguagem da escalada política e de segurança e iniciar um diálogo rápido e frutífero para resolver crises”, escreveu em uma publicação no Twitter.
Com a retirada, as Forças Armadas do Iraque anunciaram o fim do toque de recolher em todo o país, aumentando ainda mais as esperanças de que a calma seja restaurada depois que os temores de que a instabilidade pudesse se espalhar por todo o país e até mesmo gerar uma instabilidade na região – a possibilidade de conflito prolongado foi um dos fatores apontados por analistas para justificar a alta no preço internacional do barril de petróleo.
Quem é Moqtada al-Sadr
Quando Moqtada al-Sadr levanta o dedo indicador e franze a testa, o Iraque prende a respiração. A aura do impetuoso líder religioso xiita tem muito peso na arena política e nas ruas. Ao lado do aiatolá Ali al-Sistani, grande autoridade religiosa xiita, al-Sadr é uma das únicas pessoas capazes de mobilizar grandes massas no país.
Nascido em 1974 em Kufa, perto da cidade sagrada xiita de Najaf, no sul do país, o homem de rosto redondo e barba grisalha é descrito por alguns de seus colaboradores como “colérico”. O turbante preto, que parece uma continuação de seu rosto, o identifica como parte da linhagem de religiosos xiitas sayyids, descendente do profeta do Islã, Maomé.
Quando a maioria xiita da população iraquiana era oprimida pelo governo de Saddam Hussein, que era islâmico sunita, antes da invasão americana em 2003, al-Sadr liderava uma milícia comparável a um esquadrão da morte. Vestidos de preto, os homens do clérigo vagavam pelos bairros de Bagdá varrendo os sunitas da cidade, enquanto o país era dilacerado pela violência sectária.
O próprio pai de al-Sadr foi assassinado pelo regime de Saddam Hussein, em 1999, o que o deu o título de “shahid” (mártir), atributo de grande importância entre os militantes xiitas.
Antes conhecido por seu papel na resistência contra Saddam e pelos sermões inflamados, nos quais afirmava ser dever sagrado dos xiitas atacar as forças dos Estados Unidos, o líder religioso passou por uma transformação de imagem ao entrar na política iraquiana pós-ocupação.
Em 2018, o partido de al-Sadr foi o mais votado do país, conquistando o maior número de cadeiras por uma única sigla. A vitória veio após uma campanha populista focada no combate à corrupção com o slogan “Iraque em primeiro lugar”.
Durante o grande movimento de protesto popular em outubro de 2019, Sadr enviou seus simpatizantes para apoiar as reivindicações de regeneração política dos manifestantes. Em seguida, pediu para que se retirassem.
“Ele tenta se colocar no centro do sistema político, mantendo distância dele”, diz Benedict Robin-D’Cruz, especialista em movimentos xiitas da Universidade Dinamarquesa de Aarhus. “Sua posição como líder religioso lhe permite projetar uma imagem de estar além da política”.
No processo eleitoral do ano passado, em que seu partido voltou a ser o mais votado, a campanha também foi pautada no combate a corrupção – um tema com penetração na sociedade, uma vez que o país está entre os com maior grau de corrupção do mundo, segundo o ranking da Transparência Internacional./ Com AP, AFP e NYT