Perda abrupta e imediata de benefícios do programa só impacta a vida de brasileiros mais pobres
O cinema e a literatura retrataram, na maioria das vezes, a pobreza brasileira como a de trabalhadores muitas vezes em área seca e com dificuldade de acesso à água, outras vezes em serviços de cuidado, trabalhando muitas horas e em busca de alternativas para superar a pobreza. O esforço, a busca e a dedicação sempre estiveram presentes, e continuam estando.
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre os 10% dos brasileiros mais pobres, 3,5 milhões querem trabalhar e não conseguem. Hoje, no atual desenho do Bolsa Família, caso a pessoa encontre um emprego, ela imediatamente perderá uma série de benefícios.
Os que vivem de herança ou os que têm estabilidade e que eventualmente não estejam trabalhando não possuem nenhuma perda de benefício atrelada ao início da atividade laboral, pelo contrário, terão aumento de renda. Apenas os mais pobres que começarem a trabalhar terão perdas.
Para ser beneficiário do Bolsa Família é necessário declarar uma renda per capta inferior a R$ 218. No entanto, caso a família encontre um trabalho e alcance uma renda per capita de meio salário mínimo, o benefício é cancelado. O prêmio por ter alcançado um trabalho é a perda abrupta do Bolsa Família. Caso a nova renda familiar seja entre meio salário mínimo e R$ 218 per capita, o benefício é reduzido em 50%.
Já temos um programa robusto e muito relevante de transferência de renda, falta criarmos a chamada porta de saída, um programa de inclusão ao trabalho que dê oportunidade e incentive os beneficiários na direção dessa oportunidade.
A transferência de renda é um componente necessário no desenho de uma política de superação da pobreza em um país, mas para que o caminho para a inclusão ao trabalho seja seguro e factível, é crucial que a transição para o trabalho seja gradual e lenta.
Por exemplo, deveríamos premiar os vulneráveis que conseguem trabalhar ao invés de retirar a transferência. Conforme esse trabalho se tornar habitual e conhecido, poderíamos dar início a uma regra de saída do Bolsa Família, de 5% de redução ao mês, ao longo de 20 meses. Em caso de desemprego, a transferência voltaria de forma integral imediatamente.
Um experimento em seis países realizado pelos ganhadores do prêmio Nobel Abhijit Banerjee e Esther Duflo analisou políticas públicas de transferências combinadas com serviços promotores de inclusão produtiva. Os resultados indicam que a combinação inteligente entre esses dois dois é a mais eficaz para vencer a pobreza.
Portanto, transferência de renda em conjunto com programas de portas de saída bem desenhados e conectados é o que pode gerar uma redução da pobreza real e permanente.
Para além da joia que já temos, o Bolsa Família, urge concretizarmos a promoção e o incentivo ao trabalho, conectados de forma a garantir uma transição fluida.
Fonte: Folha de São Paulo