Em meio a crise política profunda, Truss entregou o cargo nesta quinta
Estadão
A líder conservadora Liz Truss renunciou ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido nesta quinta-feira, 20, após apenas 45 dias a frente do governo britânico, marcados por uma sucessão de crises que elevou a pressão sobre o recém-empossado gabinete conservador a um nível insustentável. A renúncia de Truss marca o menor tempo que um líder ocupou o o cargo de primeiro-ministro desde 1834, quando Arthur Wellesley foi defenestrado da posição após 23 dias.
“Reconheço que, dada a situação (do país), não posso cumprir o mandato para o qual fui eleita pelo Partido Conservador. Portanto, falei com sua majestade o rei para notificá-lo de que estou renunciando ao cargo de líder do Partido Conservador”, disse Truss durante um breve pronunciamento em frente ao Número 10 de Downing Street.
A briga pela sucessão de Truss já começou dentro do Partido Conservador, que deve escolher um substituto nos próximos dias. Até o ex-premiê Boris Johnson deve concorrer à liderança do Partido Conservador, informou o jornal Times of London. “Ele está fazendo sondagens, mas acredita-se que seja uma questão de interesse nacional”, disse o editor político do Times, Steven Swinford, no Twitter.
A pressão sobre a primeira-ministra alcançou o ápice na quarta-feira, 19, quando Truss foi alvo de fortes críticas de aliados – e também de opositores do Partido Trabalhista – durante uma ida à Câmara dos Comuns. O descontentamento de parte de sua bancada quase se converteu em uma rebelião partidária durante uma votação sobre a exploração de gás de xisto e, apesar da proposta do governo sair vencedora, o desgaste com o próprio partido ficou evidenciado.
Truss tentou conter a crise nos bastidores e fez sinalizações públicas reforçando seu desejo de permanecer no cargo e pedindo a união do partido em torno das questões centrais para o país. No entanto, as tentativas não diminuíram a pressão sobre a liderança. Antes da renúncia ser confirmada, o parlamentar conservador Simon Hoare disse que o governo estava em desordem e disse que o governo tinha cerca de 12 horas para reverter a situação em entrevista à rede britânica BBC. “Ninguém tem um plano de rota. É todo tipo de luta corpo a corpo no dia-a-dia”, disse, acrescentando que Truss tinha “cerca de 12 horas”.
“É hora da primeira-ministra ir”, disse a deputada Miriam Cates. Outro parlamentar conservador, Steve Double, disse: “Ela não está à altura do trabalho, infelizmente”.
Truss comunicou a renúncia após uma reunião de emergência o supervisor da liderança do Partido Conservador, Graham Brady, em Downing Street. “Esta manhã encontrei o presidente do Comitê de 1922, sir Graham Brady. Concordamos que haverá uma eleição de liderança a ser concluída na próxima semana. Isso garantirá que continuemos no caminho para entregar nossos planos fiscais e manter a estabilidade econômica e a segurança nacional de nosso país. Permanecerei como primeira-ministra até que um sucessor seja escolhido”, disse Truss.
A líder conservadora afirmou que assumiu o governo em um momento de “grande instabilidade econômica e internacional” em que as famílias e empresas britânicas estavam preocupadas os custos de vida e a guerra de Putin na Ucrânia ameaça a segurança do continente. Apesar disso, Truss disse que seu gabinete cumpriu com a promessa de segurar o preço das contas de energia e definiu “uma visão para uma economia com impostos baixos e alto crescimento”.
Sucessão incerta
Liz Truss foi eleita primeira-ministra do Reino Unido e líder do Partido Conservador após um longo processo conduzido pela legenda para definir o sucessor de Boris Johnson. Em uma disputa com mais de 10 candidatos, que foi se afunilando a cada votação, Truss conseguiu ficar na 2ª colocação na primeira fase da votação, na qual apenas os parlamentares conservadores tinham direito a voto. Na votação final, aberta a membros do partido em todo o país, ela ultrapassou o favorito do establishment conservador, Rishi Sunak.
Com a renúncia, no entanto, é improvável que a legenda proponha a realização de outro processo eleitoral interno tão amplo quanto o finalizado há pouco mais de um mês. Falando com repórteres em Londres, Graham Brady adiantou que o plano inicial dos conservadores é realizar uma nova consulta sobre a liderança na próxima semana, a fim de garantir que o Reino Unido tenha um novo premiê até o fim do mês.
“Falei com o presidente do partido, Jake Berry, e ele confirmou que será possível realizar uma votação e concluir uma eleição de liderança até sexta-feira, 28 de outubro. Então devemos ter um novo líder antes da declaração fiscal que acontecerá no dia 31″, disse Brady.
Observadores da política britânica questionam se a escolha será aberta aos membros do partido, como na segunda fase do processo eleitoral anterior, ou será restrita aos parlamentares — e, caso seja a segunda hipótese, como a base do partido reagiria ao ter sua opinião diminuída.
Em paralelo, a oposição reagiu à renúncia de Truss com pedidos de eleições gerais. O líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, exigiu que eleições imediatas fossem convocadas. “Os conservadores não podem responder à sua última confusão simplesmente estalando os dedos e mudando os que estão no topo sem o consentimento do povo britânico. Precisamos de eleições gerais”, declarou em um comunicado.
Golpe final
Há seis semanas no cargo, Truss viu sua popularidade despencar rapidamente. Um plano fracassado de recuperação econômica que causou uma crise social e política provocou a queda do secretário de Finanças, Kwasi Kwarteng. Na quarta-feira, em um sinal de indisciplina partidária, mais de dez deputados conservadores pediram a renúncia de Truss — que também viu a sua ministra do Interior, Suella Bravermam, desembarcar do governo.
Braverman, considerada parte da linha-dura do Partido Conservador, alegou como motivo da sua demissão ter usado a sua conta de e-mail pessoal para enviar um documento oficial a um colega, mas os meios de comunicação britânicos apontam principalmente para as diferenças entre as duas mulheres em relação à política de imigração.
Horas depois da demissão de Braverman, o gabinete indicou o ex-ministro dos Transportes de Boris Johnson, Grant Shapps, para o cargo. Shapps apoiou o adversário de Truss nas eleições internas do partido, Rishi Sunak, e sua indicação seria um sinal de “abertura” a outras alas da sigla, segundo observadores./AFP e AP