Episódio pode colocar em xeque diálogos que administração mantém com ELN desde o ano passado
Folha de São Paulo
Um ataque do ELN (Exército de Libertação Nacional), última guerrilha ativa na Colômbia, deixou pelo menos nove militares mortos e nove feridos na cidade de El Carmen, no norte do país, na madrugada desta quarta (29).
As vítimas, dois suboficiais e sete soldados, faziam a guarda da estrutura energética do departamento Norte de Santander, segundo a imprensa local, quando foram surpreendidos por explosivos artesanais às 3h do horário da Colômbia. De acordo com a revista Semana, esse é o quinto ataque do tipo no mês na região, uma importante produtora de coca e cocaína e alvo de recentes operações de controle territorial.
O saldo torna esse o episódio mais letal da guerrilha desde que começaram os diálogos de paz com o governo de Gustavo Petro, em novembro do ano passado. Petro declarou “repúdio total” ao ataque e convocou uma reunião com a delegação de paz do governo e com os países garantidores, que incluem Venezuela, México e Chile, na próxima segunda-feira (3).
Os militares, afirmou o presidente colombiano, “foram vítimas de quem está absolutamente distante da paz e do povo”. Em uma coletiva de imprensa, o ministro da Defesa, Iván Velásquez, lamentou o episódio. “Estamos em uma situação muito complicada dessa aspiração à paz, em plena guerra”, disse.
Pelo Twitter, o ministro do interior, Alfonso Prada, afirmou que “sempre há a possibilidade de se levantar da mesa quando não há condições para o diálogo”. Já Otty Patiño, negociador do governo com o ELN, escreveu em um comunicado que a prioridade da reunião de segunda será a exigência do cessar-fogo para seguir as negociações. “Nos últimos dias, o ELN aumentou a intimidação contra a população civil em Cauca, Arauca, Chocó e Nariño, em uma violação flagrante do Direito Internacional Humanitário que dizem acatar”, escreveu.
O comandante das Forças Armadas, o general Helder Giraldo, disse que sua equipe manterá operações na região contra os responsáveis pelas mortes e que não estão poupando esforços para salvar a vida dos feridos. A maioria das vítimas era formada por jovens que prestavam o serviço militar obrigatório e tinha cerca de 20 anos.
A guerrilha, de inspiração guevarista, conversa com emissários de Petro desde novembro com o objetivo, afirmam, de colocar fim ao levante armado de quase seis décadas que deixou pelo menos 450 mil mortos no país, em uma política chamada de “paz total”. As negociações começaram em Caracas, capital da Venezuela, e tiveram uma segunda rodada na Cidade do México, sem chegar a um acordo.
O primeiro presidente de esquerda da Colômbia, ele mesmo um ex-guerrilheiro, afirma querer que todos os envolvidos no conflito colombiano sejam ouvidos e tenham a possibilidade de cumprir penas reparatórias em troca de relatos sobre suas ações.
Em janeiro, a negociação viveu outro abalo quando rebeldes se negaram a fazer parte de uma trégua bilateral que Petro havia anunciado na véspera do Ano Novo.
Na época, o governo suspendeu o cessar-fogo e o ministro do Interior, Alfonso Prada, disse que a decisão se dava diante da recusa da guerrilha em interromper suas operações ofensivas —o grupo, por sua vez, afirmava não ter debatido nenhuma proposta bilateral de trégua e chamou o acordo de unilateral.
O ataque desta quarta, porém, é o que mais deixou vítimas desde que Petro chegou ao poder, em agosto. Em setembro, dissidentes da guerrilha das Farc que não aceitaram o acordo de paz de 2016 mataram sete policiais no departamento de Huila, no centro do país.
O ELN manteve negociações infrutíferas com cinco governos —a última tentativa foi com o antecessor de Petro, Iván Duque (2018-2022). Na época, as conversas foram interrompidas por causa de um ataque a uma escola militar em Bogotá que deixou 23 mortos, incluindo o agressor.
O também ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010) se manifestou nas redes sociais. “A Colômbia terá que pensar se continua com o Acordo de Havana e o avanço narcoterrorista que se impõe nos territórios ou se a decisão será derrotar o narcotráfico e o terrorismo para que prevaleça o Estado de Direito, a segurança e a tranquilidade”, escreveu.
O político é acusado de ter apoiado paramilitares contra guerrilhas enquanto estava no poder, estimulando a prática dos chamados “falsos positivos” —assassinatos de civis para atingir metas de mortes de guerrilheiros. Em 2020, ele chegou a ficar em prisão domiciliar por dois meses antes de ser libertado.
Historicamente, os rebeldes relutam em desativar suas operações como sinal de paz. Em fevereiro, Petro descreveu a retenção de um sargento no departamento de Arauca, a leste do país, como “sabotagem” às negociações.
O Clã del Golfo, a maior quadrilha de drogas da Colômbia, também fez parte da trégua, mas o governo a suspendeu em 18 de março devido aos ataques contra a população civil e militares. A oposição critica o presidente pelas concessões que tem feito aos grupos.
“Paz total não pode significar a rendição do país”, afirmou o ex-candidato presidencial de direita Federico Gutiérrez no Twitter nesta quarta.
O terceiro ciclo de negociações entre o governo colombiano e o ELN deve ser realizado em Cuba, embora as partes não tenham especificado a data do encontro.
Com Reuters e AFP