Com uma técnica chamada de realidade mista, 36 câmeras de vídeo capturam imagens multidimensionais da artista.
Por Folhapress
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Marina Abramovic encontrou uma maneira de se tornar imortal. Com uma técnica chamada de realidade mista, 36 câmeras de vídeo capturam imagens multidimensionais da artista em movimento dentro de um círculo e criam, a partir disso, um holograma seu bastante realista, que pode ser acessado pelo público com óculos de realidade virtual.
“Sempre que você pressiona um botão eu posso aparecer na sua sala de estar ou no seu jardim. É a obra para quando eu não estiver lá”, diz ela, em entrevista por Zoom, acrescentando que este é um dos futuros possíveis para a arte da performance, da qual é a maior representante hoje. “Você projeta no ar a eletricidade, a energia e a vida do seu próprio ser, e isso me interessa.”
A artista sérvia realizou até agora só um trabalho com essa técnica, “The Life”, ou a vida, apresentado em Londres no ano passado, mas afirma querer outros. Sua exploração da tecnologia na criação será um dos temas abordados por ela numa entrevista que deu para o Maratona Fronteiras, evento digital neste mês que serve como prévia das conferências do Fronteiras do Pensamento.
Às vésperas de uma turnê na Europa, onde acompanhará o lançamento de um livro sobre a sua obra, fará apresentações da ópera “Sete Mortes de Maria Callas” e receberá o prêmio prêmio Princesa das Astúrias das Artes do rei da Espanha, ela também comenta, em tom bem humorado, sobre a performance em época de pandemia.
“Odeio todas as performances por Zoom, acho que são de má qualidade e o conteúdo não é bom o suficiente. A performance, do meu ponto de vista, não existe sem público ao vivo.”
Na impossibilidade dos encontros devido a medidas de distanciamento social e ao controle de acesso do público a espaços de arte, ela afirma achar melhor esperar a pandemia passar a fazer concessões no seu trabalho. A necessidade, para ela, de que não haja limite de visitantes foi um dos motivos pelos quais sua tão aguardada retrospectiva na Royal Academy de Londres, prevista para o final do ano passado, foi adiada para 2023.
“Se você pensar que na Idade Média a humanidade sofreu por dez, 15, 20 anos com a peste, e agora estamos há só um ano e meio [com a Covid], então isso não é muito. Espero que em 2023 a maioria dos humanos esteja vacinada e a performance esteja de volta integralmente.”
Abramovic lamenta a situação da pandemia no Brasil e relata que no estado de Nova York, onde mora, a vida voltou ao normal e é possível ser vacinado ao ir comprar batatas no supermercado ou ganhar uma cerveja em troca de uma vacina. De todo modo, afirma ter gostado do tempo que o isolamento social deu a ela e também de ter ficado mais em contato com a natureza, por ter sido impossibilitada de viajar a trabalho.
Ela não pretende usar a pandemia como tema de trabalho, mas diz que o momento a fez refletir mais sobre a morte e a impermanência. “Estou no último estágio da minha vida, tenho 75 anos. Você tem que pensar sobre as coisas mais importantes que tem de fazer. Precisamos aproveitar cada minuto porque nunca saberemos o que vai acontecer em seguida. Por isso é importante viver o momento.”
Mas como viver um momento tão difícil como o atual? Numa série de vídeos recentes para uma empresa holandesa de tecnologia, a artista deu algumas dicas -uma delas é colocar um punhado de arroz e lentilha sobre uma mesa e contar os grãos; outra é beber um copo de água lentamente, sentindo não só o líquido descer pelo sistema digestivo mas também o gelado do vidro nas mãos. Tudo em nome da paciência e da superação de um desafio.
Há ainda uma outra maneira, ela conta -pôr uma dose de humor negro na vida. Foi assim que enfrentou dificuldades e um período de guerra na antiga Iugoslávia, sua terra natal. “Era um método de sobrevivência, você ria de você mesmo, da situação, do desespero, de tudo. O humor sempre foi importante na minha vida. Com a Covid, o humor desapareceu de nós. Ninguém mais faz piadas, ninguém mais ri.”