O plano do ministério foi entregue pela gestão Jair Bolsonaro na sexta-feira, 11, ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Por Estadão
BRASÍLIA – Após um grupo de pesquisadores citados pelo Ministério da Saúde como colaboradores na elaboração do plano nacional de vacinação contra a covid-19 reclamar de não ter sido consultado sobre a versão final do texto apresentado no sábado, 12, a pasta alegou na manhã deste domingo, 13, que os especialistas convidados “não tinham qualquer poder de decisão” no programa de imunização.
O plano do ministério foi entregue pela gestão Jair Bolsonaro na sexta-feira, 11, ao Supremo Tribunal Federal (STF), que deu publicidade ao texto no sábado, 12. Mas um grupo de 36 especialistas listados no documento divulgou nota horas depois alegando não ter lido e nem dado “anuência” ao plano.
O Ministério da Saúde respondeu neste domingo que os profissionais indicados pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) atuaram como “convidados especiais” nos debates sobre o plano de vacinação contra a covid-19. Segundo a pasta, o papel dos especialistas era de “cunho opinativo e sem qualquer poder de decisão” sobre o plano apresentado ontem.
O ministério também rebate críticas do grupo de especialistas, que manifestaram preocupação com a retirada de grupos prioritários (presidiários foram removidos da lista de grupos que seriam vacinados). Os pesquisadores cobraram que “todas populações vulneráveis sejam incluídas na prioridade de vacinação, como indígenas, quilombolas, populações ribeirinhas, privados de liberdade e pessoas com deficiência”. Eles destacaram ainda a necessidade de “ampliação do escopo para todos os trabalhadores da educação” (não só os professores) e a inclusão de funcionários de outros serviços essenciais.
O Ministério da Saúde respondeu que todo plano de vacinação precisa elencar um grupo de pessoas mais vulneráveis, mas afirmou que outros grupos poderão ser imunizados após as fases iniciais do programa. O plano apresentado na véspera contempla na primeira fase de vacinação os idosos de 75 anos e mais, profissionais de saúde, idosos de 60 ou mais institucionalizados e a população indígena. Já as demais fases incluem as pessoas de 60 a 74 anos, indivíduos com comorbidades, professores, trabalhadores das forças de segurança e salvamento, e os funcionários do sistema prisional.
“Todos os demais poderão ser imunizados após imunização dos grupos especificados como prioritários, que merecem maior atenção diante da maior vulnerabilidade à doença e suas consequências, inclusive de morte”, enfatizou a pasta neste domingo.
Os especialistas insatisfeitos em serem citados no plano também criticaram a não inclusão de todas as vacinas disponíveis que se mostrarem seguras e eficazes. Também não há previsão de datas para o início de qualquer fase do plano. No documento, o ministério apresenta como “garantidas” 300 milhões de doses de vacinas contra covid-10, das quais mais de 180 milhões viriam do acordo com a Universidade de Oxford, do Reino Unido, e a farmaêutica AstraZeneca, 42 milhões seriam fornecidas pelo Covax Facility, iniciativa liderada pela Organização mundial da Saúde (OMS), e outras 70 milhões viriam da empresa americana Pfizer, compra ainda em negociação.
No trecho em que lista as vacinas “já garantidas”, o governo federal não cita a Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantã, ligado ao governo paulista, de João Doria (PSDB), adversário político do presidente. Mas afirma que “disponibilizará crédito extraordinário para aquisição de toda e qualquer vacina que adquira registro de forma emergencial ou regular que apresente eficácia e segurança para a população brasileira”. O governo Bolsonaro prepara uma medida provisória para liberar R$ 20 bilhões para comprar e centralizar a distribuição de imunizantes no País.
Em nota, o Ministério da Saúde alegou que não apresentou uma data exata para a vacinação porque não há ainda no mercado nacional “uma vacina eficaz e segura”, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Apresentar uma data, especificar um imunobiológico e apresentar informações sem a devida identificação de uma vacina aprovada pela Anvisa não condiz com as práticas de segurança e eficiência do Programa Nacional de Imunizações da pasta, que não trabalha com fulcro em especulações desprovidas de confirmações técnicas e científicas”, completou o ministério.
Inclusão de nomes é ‘grave’ e ministério foi ‘deselegante’
Após saber da nota deste domingo, a professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Ethel Maciel, uma das especialistas do grupo que não foi consultado sobre o plano, voltou a considerar como “grave” a inclusão dos nomes dos profissionais em um documento que não foi apresentado a eles anteriormente. “O ministério apresentou um documento oficial ao STF com os nossos nomes embaixo da palavra ‘elaboração’. Se éramos apenas convidados para o debate, a pasta teria que usar outra expressão”, afirmou a epidemiologista.
Ela estranhou a divulgação da nota pela pasta antes mesmo da reunião prevista entre o grupo e o Ministério da Saúde para a próxima segunda-feira, 14. “A resposta do ministério é mais deselegante ainda. O ministério deveria pedir desculpas, reconhecer que se equivocou em listar nossos nomes como elaboradores, e mandar um novo documento ao STF mudando essa conotação. Se dirigir à imprensa antes que aos pesquisadores foi mais um desrespeito”, acrescentou.
Por isso, a professora e outros colegas avaliam até mesmo pedir a exclusão de seus nomes no documento. “Somos um grupo grande, e cada um vai ter que decidir o que fazer. Dependendo do que o ministério falar na reunião, vou pedir para retirar o meu nome. Não posso assinar algo que não concordo”, completou.