‘O que a gente está vivendo é um inferno’, diz intensivista

Pacientes que estão bem, mas daqui a duas horas descompensam de forma rápida e imprevisível.

© Ricardo Araújo/Estadão A intensivista Ana Patrícia Tertuliano, do Hospital Municipal de Natal

Por Estadão

*Depoimento de Ana Patrícia Tertuliano, médica intensivista do Hospital Municipal de Natal

“É uma doença cruel que a todo momento aparece com um viés diferente. São pacientes que estão bem, mas daqui a duas horas descompensam de forma rápida e imprevisível. Muitos pacientes não se apresentam como se esperava. Estamos recebendo pacientes bem mais graves, com estágio da doença mais avançado, e mais jovens. Todo mundo está muito sensibilizado.

Estamos internando famílias no hospital. Temos muitos casos de estar o marido numa UTI, a esposa na outra e um filho na enfermaria. São vários casos assim, de familiares com internação simultânea. Ou de ligar para a mulher para dar notícia de um irmão internado numa UTI e ela me dizer que ele não sabe que a mãe estava numa outra UTI, e ela morreu.

Enquanto profissionais de saúde, não estamos para curar 100%. Estamos para cuidar de 100%, de ser uma esperança, de dar conforto a 100% dos nossos pacientes. É para isso que o profissional de saúde está. Só que esses altos índices de mortalidade, tantos e tão corriqueiramente, destroem qualquer pessoa.

As histórias se repetem. Você fica o tempo todo bombardeado com morte. Imagino estar num campo de guerra. Eu fico imaginando os soldados, o tempo todo vendo morte. Uma pessoa dessa não volta normal. Um profissional de saúde que está ali para dar vida fica só vendo morte. Uma atrás da outra. A pessoa fica, realmente, deprimida. A gente adoece. Mas, neste momento, a gente não pode. A gente não pode perder as forças agora.

A exceção, para nós, é dar alta. Com vida. O que nos marca profundamente é a nossa felicidade em dar alta a um paciente. Quando a gente dá alta, faz uma festa. Todo dia é uma batalha.

É habitual dizer para uma mãe que o filho morreu; ou para o marido que a esposa morreu; ou para uma filha que o pai morreu. Todos os dias são extremos. É o estresse persistente, o sofrimento persistente. Quem está do lado de fora, ouvindo os nossos relatos, talvez não tenha a real noção do que é esse inferno. Realmente, o que a gente está vivendo é um inferno.”

Compartilhe esta notícia!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

pt_BRPortuguese