Moscou e Pequim subiram o tom após líderes ocidentais citarem os rivais como ‘ameaça’ e ‘desafio estratégico’ em nova diretriz de segurança
Por Estadão
MADRI – Um mundo instável pode se tornar ainda mais perigoso se a Otan não permanecer forte e unida, disse o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg, nesta quinta-feira, 30, ao final de um encontro de cúpula em que líderes ocidentais rotularam a Rússia como uma “ameaça direta” à segurança global e a China como um “desafio estratégico”.
“Vivemos em um mundo mais perigoso, mais imprevisível e onde temos uma guerra quente acontecendo na Europa. Ao mesmo tempo, também sabemos que isso pode piorar”, disse Stoltenberg, afirmando que a aliança militar tem a “responsabilidade central” de impedir que a guerra na Ucrânia se espalhe e que protegerá “cada centímetro do território da Otan”.
O encontro de três dias na Espanha, que definiu o novo conceito estratégico e de segurança da aliança, provocou reações de Moscou e Pequim – acusadas de se valerem de “vantagens econômicas, coerção e abordagens híbridas” para promover seus no mundo em desenvolvimento, de acordo com Stoltenberg.
Ao contrário da última diretriz de segurança do grupo, o novo documento sinaliza que o crescente alcance econômico e militar da China é um desafio para os membros da aliança. Em resposta, Pequim acusou a Otan de ser um “remanescente da Guerra Fria” e disse que a aliança está “criando problemas em todo o mundo”.c
“Como a Otan posiciona a China como um ‘desafio sistêmico’, temos que prestar muita atenção e responder de maneira coordenada. Quando se trata de atos que prejudicam os interesses da China, daremos respostas firmes e fortes”, disse um comunicado da missão de Pequim na União Europeia.
O posicionamento da Otan é que a China “se esforça para subverter a ordem internacional baseada em regras, inclusive nos domínios espacial, cibernético e marítimo”, além de manter laços estreitos com Moscou.
A Rússia, por sua vez, foi reclassificada como uma ameaça de segurança – antes, a Otan a considerava como um “parceiro estratégico” – que usa de “coerção, subversão, agressão e anexação” para estender seu alcance.
De acordo com Stoltenberg, foi a invasão da Ucrânia pela Rússia que trouxe “a maior revisão de defesa coletiva” da aliança desde o fim da Guerra Fria”. No encontro de Madri, os líderes da Otan concordaram em aumentar drasticamente a força militar ao longo do flanco leste da aliança, onde a preocupação com os planos futuros de Moscou é mais latente, da Romênia aos países bálticos.
Os aliados planejam aumentar quase oito vezes o tamanho da força de reação rápida da aliança, de 40.000 para 300.000 soldados, até o próximo ano – embora os detalhes de compromissos específicos de tropas permaneçam vagos.
A maioria das tropas estaria alocada em seus países de origem, mas dedicada a países específicos no leste, onde a aliança planeja acumular estoques de equipamentos e munições.
Outro aspecto para a estratégia de contenção da zona de influência da Rússia veio com a formalização do convite à Finlândia e Suécia para se juntarem à aliança – depois de firmarem um acordo para acabar com a oposição da Turquia, apesar do presidente Recep Tayyip Erdogan afirmar que ainda pode bloquear a adesão dos países nórdicos, se ambos não cumprirem suas promessas.
Se a adesão for aprovada, Otan e Rússia terão uma fronteira compartilhada de 1.300 km com a Rússia.
O presidente russo, Vladimir Putin, alertou que responderia na mesma moeda se a Suécia ou a Finlândia concordassem em receber tropas da Otan e infraestrutura militar. Ele disse que teria que “criar as mesmas ameaças para o território a partir do qual as ameaças contra nós são criadas”.
A ameaça de Putin foi recebida com naturalidade pelos líderes ocidentais. A primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, afirmou que a retórica de Putin não traria nenhuma novidade. “Temos que esperar algum tipo de surpresa de Putin, mas duvido que ele vá atacar diretamente a Suécia ou a Finlândia”, disse.
Na última sessão desta quinta-feira, os presidentes e primeiros-ministros voltaram seu olhar para o sul, discutindo sobre a região africana do Sahel e o Oriente Médio, onde a instabilidade política – agravada pelas mudanças climáticas e pela insegurança alimentar provocada pela guerra na Ucrânia – está levando um grande número de imigrantes para a Europa.
Ucrânia volta a pedir ajuda
A Otan liberou bilhões em ajuda militar e civil para fortalecer a resistência ucraniana desde a invasão russa, em fevereiro. Durante a cúpula em Madri, porém, o presidente ucraniano Volodmir Zelenski se dirigiu aos líderes mundiais por videoconferência, pedindo o envio de sistemas de artilharia modernos e outras armas.
“A questão é: quem é o próximo? Moldávia? Ou os Bálticos? Ou Polônia? A resposta é: todos eles”, disse Zelenski
O presidente dos EUA, Joe Biden, cujo país fornece a maior parte do poder de fogo da Otan, anunciou um forte impulso na presença militar dos EUA na Europa, incluindo uma base permanente dos EUA na Polônia, mais dois navios-de-guerra na Espanha e dois esquadrões de F-35 no Reino Unido.
“Antes da guerra começar, eu disse a Putin que se ele invadisse a Ucrânia, a Otan não só ficaria mais forte, mas também mais unida”, disse Biden a repórteres. “E veríamos as democracias do mundo se levantarem e se oporem à sua agressão e defenderem a ordem (internacional) pautada em regras. É exatamente isso que estamos vendo hoje.”
Divergências sobre a mesa
Ainda assim, tensões entre os aliados da Otan surgiram à medida que o custo da energia e de outros bens essenciais disparou, em parte por causa da guerra e das duras sanções ocidentais à Rússia. Também há tensões sobre como a guerra terminará e quais concessões, se houver, a Ucrânia deve fazer.
O financiamento de defesa entre os países do bloco também continua sendo uma questão delicada – apenas nove dos 30 membros da Otan atualmente cumprem a meta da organização de gastar 2% do produto interno bruto em defesa.
O Reino Unido, uma das nove, anunciou mais 1 bilhão de libras (6,32 bilhões de reais) em apoio militar à Ucrânia na quinta-feira. O primeiro-ministro Boris Johnson disse que aumentaria os gastos militares para 2,5% do PIB até o final da década. O país anfitrião, a Espanha, um dos que gastam menos na aliança, pretende atingir a meta de 2% até 2029, disse o primeiro-ministro Pedro Sánchez./ AP