Piso da enfermagem: Senadores propõem tirar R$ 10 bi do orçamento secreto para garantir salários

STF suspendeu o piso e deu 60 dias para entidades de saúde se manifestarem sobre o impacto da medida na situação financeira de Estados e municípios e indicarem de onde vai sair o dinheiro para pagar a conta

Enfermeiros conseguiram aprovação de lei que estabelece piso salarial à categoria, mas seus efeitos foram suspensos pelo Supremo Tribunal Federal, que questiona sobre a origem dos recursos que vai financiar o piso.  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Por Estadão

Uma nova proposta em análise no Congresso Nacional prevê que o piso salarial dos enfermeiros passe a ter como fonte de recursos uma cifra de R$ 10 bilhões que, por decisão do governo Bolsonaro, foi incluída no orçamento secreto previsto para 2023.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 22 foi protocolada nesta sexta-feira, 23, na secretaria geral do Senado, com a assinatura de 27 senadores. A ideia é que uma cifra de R$ 9,9 bilhões que foi inserida como orçamento secreto para a área de saúde em 2023 seja usada para bancar os custos com o piso salarial dos enfermeiros.

O piso da enfermagem sancionado pelo presidente Bolsonaro estabelece o valor base de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras.

A decisão de suspender o piso foi tomada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e acompanhada pela maioria da corte. O magistrado deu 60 dias para entidades públicas e privadas de saúde se manifestarem sobre o impacto da medida na situação financeira de Estados e municípios e de onde, afinal, vai sair o dinheiro para pagar a conta. O valor previsto para bancar o piso da categoria em 2023 é estimado em cerca de R$ 10 bilhões.

Ao enviar sua proposta para gastos com saúde em 2023, Bolsonaro encaminhou um gasto total de R$ 149,9 bilhões, valor inferior aos R$ 150,5 bilhões autorizados neste ano. Acontece que, dentre desta cifra de R$ 149,9 bilhões, Bolsonaro tratou de reservar R$ 9,9 bilhões dos recursos da Saúde capturados pelo orçamento secreto, como revelou o Estadão. Isso significa que apenas aqueles parlamentares alinhados ao governo poderiam apresentar suas emendas para, sem nenhuma transparência, enviarem recursos para suas bases eleitorais, desprezando necessidades técnicas e priorizando interesses meramente políticos.

Agora, com a PEC 22, o que se pretende é fazer com que esse valor de R$ 9,9 bilhões que seria usado como orçamento secreto viabilize a criação do piso salarial da enfermagem, uma vez que a categoria profissional é um custeio associado à área de saúde.

Pacheco diz acreditar em solução

Ao Estadão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) disse que recebeu a proposta com bons olhos. Uma vez apresentada a PEC, cabe agora a Pacheco dar andamento ao processo, com a possibilidade de que seu texto possa seguir, inclusive, para votação direta no plenário da Casa. “Todos os esforços estão sendo feitos para viabilizar o piso. Inclusive por meio de emendas parlamentares, que são mais uma alternativa possível. Acredito muito na solução”, afirmou Pacheco.

A PEC 22 foi apresentada pela bancada do PT no Senado, mas já soma apoio de membros de diversos partidos. “Entramos com nova PEC para pagar o piso salarial aos profissionais de enfermagem. Propomos repassar de forma transparente a Estados, municípios e hospitais filantrópicos sem fins lucrativos, já no orçamento de 2023, os recursos hoje usados no orçamento secreto”, disse o senador Fabiano Contarato (PT-ES), que é o autor da proposta do piso salarial para a enfermagem. “Em paralelo, continuamos empenhados, junto ao presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, na aprovação de outras propostas para custeio do piso da enfermagem. Esta vitória histórica sairá do papel.”

O senador Alexandre Silveira (PSD-MG), que está entre os signatários da proposta, acredita que a medida também tem capacidade de revolver o problema. “Temos que apontar e achar as fontes de receita para a criação do piso, que defendo de forma contundente. Podemos usar, em especial, esses recursos da emenda de relator, que realmente é uma distorção da verdadeira função do parlamento e de sua missão constitucional de fiscalizar o Executivo e suas ações, além da execução orçamentária.”

O economista Bruno Moretti, assessor econômico da bancada do PT no Senado, explica que a medida tem o potencial de dar uma destinação clara a R$ 9,9 bilhões da área da saúde que foram capturados pelo orçamento secreto e que, se assim forem mantidos, poderão ser utilizados em qualquer tipo de atividade nesta área, sem respeitar necessidades mais urgentes do país, baseados apenas em interesses políticos.

“Na prática, a proposta extingue o orçamento secreto para a saúde, porque esse gasto sem transparência passa, agora, a ter um destino”, comentou Moretti. “Se o Orçamento ficar como está, esse valor fica solto. Deputados e senadores poderiam indicar para Estados e municípios como bem entendessem.”

Orçamento da saúde esvaziado

O orçamento da saúde tem sido esvaziado pelo orçamento secreto. Como revelou o Estadão nesta sexta-feira, 23, o corte de despesas promovido pelo governo Bolsonaro para acomodar cifras reservadas ao orçamento secreto atingiu os recursos destinados a investimentos para prevenção e controle do câncer, historicamente a segunda doença que mais mata no País. A verba foi reduzida em 45%, passando de R$ 175 milhões para R$ 97 milhões, em 2023.

Para reservar um total de R$ 19,4 bilhões ao orçamento secreto, o governo Bolsonaro determinou um corte linear de 60% nas verbas da saúde. Como revelou Estadão, a decisão comprometeu, além das verbas para investimento, programas de atendimento direto, como o Farmácia Popular, que distribui medicamentos gratuitamente ou com desconto, e os atendimentos do programa Mais Médicos e Médicos pelo Brasil, cujo objetivo é suprir a carência por atendimentos e minimizar a disparidade regional na distribuição dos profissionais pelo território.

No caso do Farmácia Popular, a verba caiu de R$ 2,4 bilhões para R$ 1 bilhão, um corte de 59%. O programa fornece medicamentos para asma, hipertensão e diabetes, entre outros, assim como fraldas geriátricas. Mais Médicos e Médicos pelo Brasil perderão metade dos recursos: de R$ 2,96 bilhões para R$ 1,46 bilhão.

Compartilhe esta notícia!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

pt_BRPortuguese