Rússia vê risco de colisão nuclear com o Ocidente e aprofunda laço com a China

Putin e Xi firmam acordo alinhando posições, e russo elogia plano chinês para Guerra da Ucrânia

O líder Xi Jinping, de costas, ruma para cumprimentar Vladimir Putin e posar para a foto oficial do encontro no salão de São Jorge, no Grande Palácio do Kremlin, centro de Moscou – Pavel Birkin/Sputnik/AFP

Folha de São Paulo 

A tensão entre as potências mundiais em decorrência da Guerra da Ucrânia está levando a Rússia cada vez mais próxima de uma “colisão nuclear” com os Estados Unidos e seus aliados.

A frase, do ministro da Defesa russo, Serguei Choigu, foi dita no mesmo dia em que seu chefe, Vladimir Putin, assinava com o líder chinês, Xi Jinping, um comunicado conjunto aprofundando os temas da aliança entre Moscou e Pequim, que vem assombrando o Ocidente.

A crise que se arrasta há 13 meses, desde que Putin invadiu o vizinho, tem exacerbado focos de atrito entre o Ocidente, Rússia e China. Países como Brasil e Índia tentam se equilibrar entre os polos, sugerindo mediação para a paz.

Houve a crise dos óvnis, que zerou a aproximação que Xi ensaiava com o americano Joe Biden, e os EUA fecharam acordo para armar a Austrália com submarinos nucleares. Um caça russo derrubou um drone americano no mar Negro, bombardeiros com capacidade nuclear de Washington foram interceptados por russos no Báltico e, nesta terça-feira (21), a Rússia enviou aviões similares em uma patrulha no mar do Japão —enquanto o premiê japonês se dirigia a Kiev.

“Há cada vez menos e menos passos para uma colisão nuclear”, afirmou o ministro da Defesa, Serguei Choigu, ao comentar com repórteres o fato de que os britânicos enviarão munição com urânio empobrecido, especial para romper proteção blindada, com os 14 tanques que irão doar à Ucrânia.

Sobre isso, Putin disse que “haverá reação”, repetindo sua retórica sobre linhas vermelhas no apoio militar do Ocidente a Kiev, de resto rompidas uma a uma a cada anúncio de novas armas, como tanques, mísseis e caças.

No Kremlin, o russo e o chinês concordaram em itens caros à parceria estratégica da China com a Rússia na Guerra Fria 2.0 —travada primariamente entre Washington e Pequim. Se mostraram preocupados com o pacto militar no Pacífico, elogiaram o regime do aliado Irã e voltaram a refutar “revoluções coloridas” pró-democracia como golpes inspirados pelo Ocidente.

Pediram até que os EUA respeitem as “preocupações racionais” da Coreia do Norte, aliado de ambos que tem acelerado seus testes com mísseis. Aliviando o tom de confronto, ambos os países repetiram ser contra o emprego de armas nucleares. De resto, o russo aceitou um convite e irá visitar Pequim ainda neste ano.

Sobre a Ucrânia, Putin disse que o plano de paz da China pode ser a base para abertura de negociações e ofereceu a Rússia como reserva energética estratégica para Pequim. “Acreditamos que muitos pontos se correlacionam com o ponto de vista da Rússia e que muitos deles podem ser adotados no Ocidente e em Kiev”, afirmou.

Na prática, contudo, Putin apenas reforçou sua posição ao dizer que a bola está com os rivais, que não aprovam o plano genérico de Xi nem tanto por ele incluir itens considerados inaceitáveis por eles, como respeitar demandas russas e acabar com sanções, mas por qualificarem a China como aliada da Rússia.

Isso ela é, assim como Washington é de Kiev, ainda que nenhum anúncio de envio de armas para Moscou tenha sido feito publicamente, como sugeriu que poderia acontecer o secretário-geral da Otan (aliança militar do Ocidente), Jens Stoltenberg, horas antes.

Xi, por sua vez, pôde manter o discurso que não convence o Ocidente. A China, disse, “é imparcial no conflito da Ucrânia” e busca saídas pela negociação. Seguiu sem fazer nenhuma condenação à guerra em si, que está em um momento de alta tensão tanto em campo como entre as potências envolvidas.

O que foi conversado de forma privada entre Xi e Putin, isso ainda poderá ou não transparecer. O fato é que a viagem do chinês, a primeira dele desde que foi entronizado em um inédito terceiro mandato, foi desenhada para deixar clara a aliança.

O encontro deu sequência ao famoso tratado de “amizade sem limites” que antecedeu a invasão russa da Ucrânia em 20 dias, em fevereiro de 2022. Desde então, Putin e Xi já haviam se encontrado outra vez e aprofundado sua cooperação no campo militar. Afirmaram em comunicado conjunto que a relação bilateral “está no ponto mais alto da história”, o que é verdade, em especial lembrando que ambas as nações quase foram à guerra em 1969.

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Do ponto de vista político, foi um gol de Putin, que teve a prisão pedida pelo Tribunal Penal Internacional na sexta (17), uma ação simbólica, mas que reforça a pressão sobre o russo. Ao lado de Xi, mostrou-se longe do isolamento proposto pelo Ocidente.

Para o chinês, os aspectos públicos da visita também são vantajosos, na área econômica em especial. Já no contexto do conflito mais amplo com o Ocidente, ficou evidente o contraste entre a ida a Moscou e a visita surpresa de um rival aliado dos EUA, o premiê japonês Fumio Kishida, a Kiev nesta mesma terça.

O presidente russo discutiu com o colega chinês o projeto do gasoduto Energia da Sibéria 2, duplicando a capacidade de um projeto de 3.000 km construído de 2014 a 2019.

Os volumes, contudo, ainda são muito inferiores ao que Moscou exportava para seu principal mercado, a Europa, que reduziu o consumo do produto de forma abrupta em 2022 —de 180 bilhões de metros cúbicos anuais para 62 bilhões. Até 2030, disse Putin, serão 98 bilhões de metros cúbicos para a China.

Putin também afirmou que Moscou irá ajudar empresas chinesas a substituir similares ocidentais que deixaram a Rússia após a aplicação do regime draconiano de sanções ocidentais devido à guerra.

Aqui, há mais simbolismo, como as vitrines fechadas em Moscou mostram: das 3.120 empresas ocidentais ou de países aliados aos EUA, como o Japão, monitoradas pela Escola de Economia de Kiev, apenas 206 de fato deixaram a Rússia, com 1.227 abertas e as outras, com graus distintos de redução de operação.

Na véspera, ambos os líderes haviam conversado, com intérpretes e assessores, por quatro horas e meia durante um jantar. Nesta terça, o forte foi a ritualística, uma especialidade de Putin, que recebeu Xi como chefe de Estado no glorioso salão de São Jorge, um dos cinco em que são conduzidas cerimônias no Grande Palácio do Kremlin, construído no século 19 e que serve de residência presidencial —embora o russo prefira seu complexo na periferia de Moscou.

Xi, por sua vez, está hospedado em um novo hotel construído por uma empresa chinesa, com motivos do país em sua decoração. Ele volta na quarta (22) a Pequim.

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