Laudo técnico do próprio Ibama, de 2018, apontou que a aplicação desse produto exige cuidados, por possíveis riscos ao meio ambiente e à saúde humana.
Por Estadão
BRASÍLIA – O Ibama e o Ministério do Meio Ambiente suspenderam o plano de comprar 20 mil litros de retardante de fogo, em regime de urgência e sem licitação, para lançar sobre áreas de queimadas do Pantanal, no Mato Grosso. O mesmo tipo de produto foi usado este mês na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Laudo técnico do próprio Ibama, de 2018, apontou que a aplicação desse produto exige cuidados, por possíveis riscos ao meio ambiente e à saúde humana.
Em resposta enviada nesta sexta-feira, 16, à Justiça Federal da 1ª Região, onde uma ação popular foi movida contra o Ibama, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a União, o governo de Goiás e a fabricante Rio Sagrado Industrial Química, o Ibama declarou que, no momento, o plano está suspenso. O plano previa compra imediata e entrega em, no máximo, 48 horas, no Mato Grosso.
No processo, o Ibama declara que “não há qualquer urgência no pedido deflagrado” pela ação judicial, porque a compra do produto “encontra-se temporariamente suspensa para melhor análise e avaliação da autarquia”. O órgão afirma ainda que foram pedidos “subsídios à área técnica” para “apresentar os elementos necessários ao convencimento deste juízo”.
O plano de adquirir o produto sem licitação foi revelado pelo Estadão na terça-feira, 13. A reportagem mostra que o Ibama já estava com uma minuta de contrato pronta, com todos os dados do fornecedora do produto, para comprar os 20 mil litros do retardante, ao preço de R$ 684 mil. Esse produto químico, que é misturado à água e lançado por aviões sobre a vegetação, tem a propriedade de aumentar a capacidade de retenção do fogo.
Os técnicos do Ibama, porém, já foram claros no documento de 2018 ao alertarem sobre a necessidade de “suspensão do consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias”, por causa dos riscos de contaminação ao meio ambiente e às pessoas.
A ação popular que obteve resposta do Ibama foi movida pelo advogado José da Silva Moura Neto e o guia turístico Pedro Ivo Celestino Moura, que são irmãos e atuam na Frente de Proteção da Chapada dos Veadeiros. No último fim de semana, Salles esteve na região, utilizando mil litros do produto químico que foram doados pela empresa Rio Sagrado Industrial Química.
Após a publicação da reportagem, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União também pediu a paralisação imediata do processo de compra e solicitou, ainda, a interrupção de qualquer lançamento do produto, até que a corte analise o caso. O processo também está em andamento dentro da corte de contas e tem como relator o ministro André Luis de Carvalho, que deverá deliberar sobre o caso.
“Os fatos relatados nessa matéria jornalística evidenciam que o Ibama e o MMA pretendem adquirir, para aplicação na região do Pantanal Mato-Grossense, um retardante químico de queimadas que não possui regulamentação de uso no Brasil e que expõe o meio ambiente e a saúde das pessoas a riscos de contaminação. Trata-se de flagrante desrespeito a disposições constitucionais que visam à preservação do meio ambiente e à proteção à saúde da sociedade”, afirma, na representação, o subprocurador-geral do MP junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado.
Órgão federal usou apenas parte dos dados de laudo de 2018
Conforme mostrou o Estadão, o Ibama fez uso parcial das informações de um laudo técnico elaborado por seus próprios servidores, em 2018, com o objetivo de autorizar a compra emergencial, e sem licitação. Esse documento traz a afirmação de que os estudos do produto apresentados pelo fabricante “indicam que o produto é biodegradável e apresenta baixa toxicidade para seres humanos e para algumas espécies representativas do ecossistema aquático”. Essa informação foi incluída na argumentação de compra do órgão federal. O Ibama ignorou, porém, outros dados fundamentais deste mesmo documento.
O órgão chama a atenção para riscos, medidas preventivas, necessidades de testes e falta de regulação no País, por se tratar de produtos “cujos dados sobre a ecotoxicidade ainda são incipientes”. Depois de afirmar que os agentes só devem utilizar o retardante apenas em último caso, quando outros meios de combate a incêndios forem ineficientes”, o parecer traz uma lista de precauções. A principal delas pede para “instituir a suspensão do consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias, considerando que os produtos se degradam em cerca de 80-90% em 28 dias”.
Consta no documento o pedido para que, em caso de aplicação do produto em terras indígenas ou próximo a locais populosos, que a população local seja informada “sobre os possíveis riscos do consumo de água e alimentos provenientes do local nos 40 dias seguintes à aplicação do retardante de chamas”. O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama não informaram se essa comunicação prévia foi feita.
Outra recomendação pede para evitar aplicação do produto em Áreas de Preservação Permanente (APPs), “reduzindo assim o risco de contaminação de ecossistemas aquáticos e de possíveis locais para captação de água ou pesca para consumo humano”. O Parque da Chapada dos Veadeiros, por exemplo, é uma região marcada por uma infinidade de APPs, com rios e cachoeiras que se espalham por toda a região.
O documento também é claro em recomendar que se realize o georreferenciamento de todos os locais onde o retardante de chama for aplicado, com data da aplicação, quantidade de produto utilizada, tamanho da área aplicada (em hectares).
Se o Ibama aplicar o que seu próprio corpo técnico pede, terá de “promover o monitoramento dos locais georreferenciados por seis meses, pelo menos, de forma a identificar algum dano ambiental decorrente da aplicação do retardante de chama”, além de fazer a “análise química para investigar os teores do retardante em matrizes ambientais, tais como água superficial, solo, sedimento, peixes e frutas, com coletas realizadas após 30 dias da aplicação do produto”.
À reportagem, o Ibama disse na segunda-feira, 13, que “não há vedação legal ou regulamento que estabeleça exigência governamental na forma de registro ou autorização de uso de produtos retardantes de chama”. Também afirmou que o laudo técnico do Ibama foi uma “análise em abstrato”.