Sanções aplicadas à Rússia repercutirão na economia brasileira e trarão uma avalanche de disputas comerciais internacionais

As empresas terão de buscar um sistema alternativo para pagamento.

Felipe V. Sperandio. FOTO: DIVULGAÇÃO

Por Estadão

As recentes sanções econômicas impostas à Rússia são, de longe, as mais severas já impostas na história. Os EUA, a União Europeia e demais aliados acreditam que a exclusão da Rússia do sistema financeiro mundial contrairá a economia do país rapidamente, inviabilizando o financiamento da guerra na Ucrânia.

Contudo, em uma economia globalizada, não há como punir o governo de um país sem prejudicar seus parceiros comerciais. As sanções repercutirão em setores da economia brasileira, mesmo que o Brasil não aplique sanção alguma à Rússia, e independente da postura do governo brasileiro.

A Rússia não figura entre os maiores parceiros comerciais do Brasil. Porém, certos setores da economia brasileira, bem sabemos, dependem de produtos russos. Por isso, é possível afirmar que o agronegócio brasileiro será atingido. Nesse cenário, as empresas brasileiras precisam agir rapidamente para mitigar as dificuldades de transacionar comercialmente com Rússia.

Os produtos que as empresas brasileiras mais importam da Rússia são fertilizantes e insumos químicos para adubos, representando cerca de 69% do total das importações. Fertilizantes são essenciais à produtividade do agronegócio brasileiro, e o sucesso do agronegócio é vital à economia brasileira. Com relação ao fluxo comercial contrário, a soja representa quase 25% das exportações do Brasil à Rússia.

Dentre as sanções, a exclusão da Rússia do SWIFT será prejudicial às empresas brasileiras. O SWIFT é um sistema de comunicação utilizado por duzentos países para efetuar pagamentos transnacionais. É um dos pilares do comércio internacional.  As instruções para pagamento contidas nos contratos com contrapartes russas serão inválidas assim que os bancos russos forem excluídos do SWIFT. Uma consequência inexorável para as empresas brasileiras é a impossibilidade, temporária, de pagar pelos produtos importados. Poderá essa impossibilidade resultar na paralisação de importações? Talvez sim.

As empresas terão de buscar um sistema alternativo para pagamento. Nesse ínterim, em que atrasos nos pagamentos parecem inevitáveis, surgem importantes questionamentos. As empresas brasileiras estarão sujeitas a juros de mora? Estudos indicam que a exclusão do SWIFT pode aumentar os custos das transações financeiras com empresas russas em até 20%. O impacto financeiro dessa realidade vislumbrada recairá sobre qual parte do contrato comercial?

A reboque da exclusão da Rússia do sistema financeiro mundial, muitos bancos não poderão emitir cartas de créditos em contratos envolvendo exportadores e importadores russos, e tal garantia é uma condição essencial ao funcionamento do comércio internacional

As sanções também atingem a indústria logística. Navios cargueiros, dependendo das sanções impostas pelos países onde estão registrados, não poderão manter relação com a economia russa. As duas maiores transportadoras marítimas do mundo suspenderam a entrega e a retirada de contêineres da Rússia.

Menor oferta no mercado internacional, custos adicionais e atrasos logísticos resultarão em aumento do preço de fertilizantes. O agronegócio brasileiro terá de absorver esses custos adicionais. Contratos de venda de soja são frequentemente sujeitos a operações de hedge. Ou seja, o preço fixado na celebração da operação é vinculante em relação à safra que será entregue no futuro. Custos incorporados depois que o preço foi acordado ameaçam a rentabilidade dos produtores. Seria possível arguir que as sanções constituem um evento imprevisível e fora do controle do produtor, legitimando assim a revisão dos preços de contratos futuros?

Para complementar, o rublo desvalorizou em cerca de 30% em relação ao dólar americano. Empresas russas terão dificuldades para adimplir contratos de importação de médio e longo prazo com preços vinculados ao dólar americano, prática comum no comércio de commodities. Muitas relações comerciais restarão inadimplidas, e um acréscimo acentuado nas disputas relacionadas ao agronegócio será inevitável.

Os embates jurídicos já iniciaram. Perguntas frequentes incluem: as sanções econômicas são eventos que se enquadram em excludentes de responsabilidade contratual? Ou seja, é um risco não alocado à parte alguma? Cabe às partes brasileiras um dever legal de mitigar seus prejuízos? Caso sim, qual é a conduta esperada durante o processo de mitigação? Caso a parte russa não entregue os fertilizantes já contratados, qual a extensão do dano que a parte brasileira poderá pleitear?

As respostas dependem dos termos contratuais e das leis aplicáveis ao contrato. Mas um ponto é certo: a arbitragem internacional será quase sempre o mecanismo utilizado para resolver essas disputas comerciais.

A arbitragem é a regra no comércio internacional porque permite que as partes do contrato escolham um foro neutro para resolver a disputa. Também permite a seleção das leis aplicáveis ao contrato, e permite moldar o processo de resolução da disputa de acordo com as peculiaridades de cada relação comercial. Não fosse isso, empresas brasileiras poderiam ter que pleitear seus direitos no judiciário russo, em processo conduzido na língua russa e sob o direito russo. Para empresas russas, seria igualmente indesejável litigar no judiciário brasileiro.

A arbitragem permite que partes do contrato busquem medidas de emergência, como ordens indicando a forma de efetuar o pagamento pelo produto importado. As partes também podem suscitar uma produção antecipada de prova, como prova de que a soja foi entregue no local e data acordado, de acordo com as características determinadas no contrato. Assim, se o comprador russo não conseguiu pagar, receber, ou transportar a soja até a Rússia, e o produto acaso pereceu – essa prova será útil na resolução de eventuais disputas.

Novas sanções acumulam diariamente. Ainda é cedo para entender o impacto de algumas das sanções já implementadas. Contudo, a impossibilidade (ou dificuldade) de efetuar transações financeiras com bancos russos e de transportar produtos é certa. Os impactos serão imediatos e as empresas brasileiras precisam reavaliar suas posições contratuais para mitigar os impactos causados por sanções impostas no outro lado do mundo.

*Felipe V. Sperandio, legal director de Clyde & Co. Leciona arbitragem na Queen Mary University of London

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