Variante delta do coronavírus já assusta mais de 120 países; veja o que se sabe

Casos de Covid crescem em boa parte dos lugares, mas vacinação ajuda a evitar mortes

Coveiros usam equipamentos de proteção para enterrar vítimas da covid-19 em Bekasi, cidade vizinha a Jacarta, na Indonésia. Reuters/Willy Kurniawan

Por Folhapress

Flávia Faria

Diana Yukari

SÃO PAULO

Surgida na Índia, a variante delta do coronavírus já foi registrada em mais de 120 países e trouxe preocupação ao mundo. A cepa é altamente transmissível e levou a uma explosão de mortes em nações como Indonésia e Tailândia.

Na Europa, onde as taxas de vacinação são altas, a delta se comportou de maneiras distintas entre os países, mas, por causa de sua taxa de contágio elevada, cientistas afirmaram que a imunidade de rebanho se torna impossível.

Nos Estados Unidos, a variante parece expor uma pandemia de não vacinados. Já em Israel a alta de casos e mortes traz dúvidas sobre uma possível diminuição da efetividade dos imunizantes.

A variante ainda não é dominante no Brasil, mas já faz o alerta se acender por aqui. Ainda é grande a parcela de brasileiros com apenas uma dose do imunizante (só um quarto da população completou o esquema vacinal), e especialistas afirmam que há risco de uma nova corrida por leitos hospitalares.

Veja o que os dados mostram sobre a chegada da delta a diferentes países.

Em quantos países a delta está presente?
De acordo com o último relatório epidemiológico da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado na terça (17), 129 países reportaram oficialmente ter identificado casos da delta em seus territórios. Em outros 19 há suspeitas, ainda sob investigação.

Segundo dados do site CoVariant, que reúne informações do Gisaid —plataforma em que países do mundo inteiro submetem informações sobre o coronavírus—, 71 países tinham a delta como variante mais numerosa dentre as amostras sequenciadas até o último dia 26.

Isso não significa necessariamente que a variante seja predominante em todos eles, pois são poucos os países que conseguem sequenciar amostras em quantidade expressiva, periodicidade regular e de maneira uniforme, de modo a representar a realidade local.

“Quando se fala ‘encontramos 90 casos de delta’, tem que ver se foram, por exemplo, todos de pessoas que estavam numa mesma festa com contaminação de delta. Isso é diferente de 90 amostras aleatórias em uma cidade”, diz Maria Carolina Sabbaga, vice-diretora do centro de desenvolvimento científico do Instituto Butantan.

O que aconteceu nos países quando a delta chegou?
Os dados não permitem afirmar com precisão, mas, em grande parte das situações, houve aumento de casos. A proporção e a velocidade com que isso acontece, contudo, variam muito de lugar para lugar —até porque a capacidade de detecção da variante é desigual.

O impacto nas mortes, por sua vez, costuma ser muito menor em países com maior percentual de vacinados.

Gabriel Wallau, pesquisador da Fiocruz em Pernambuco e membro da Rede Genômica, que sequencia amostras do coronavírus no país, lembra que a vacinação nem sempre consegue deter o avanço de casos que pode acompanhar a delta, mas tem mostrado eficaz em prevenir mortes.

Nos Estados Unidos, por exemplo, um estudo feito pelo CDC (centro de controle de doenças, na sigla em inglês) com mais de 7.000 pacientes hospitalizados com Covid mostrou que 87% não haviam tomado vacina ou completado o esquema vacinal.

O que aconteceu em países com vacinação lenta?
Quando a delta surgiu, a Índia não tinha nem 10% da sua população vacinada. O cenário foi de caos: explosão de doentes, hospitais lotados, milhares de mortes. O mesmo aconteceu na Indonésia e na Tailândia, onde a vacinação também caminha a passos muito lentos.

Um dos pontos que podem explicar a proporção do surto nesses países é que os estudos até o momento indicam que a delta tem um poder de transmissão muito alto e que pode gerar uma carga viral até mil vezes maior que a cepa original. Como quase não havia vacinados, o vírus praticamente não encontrou barreiras para se alastrar.

São também países muito populosos e com grandes parcelas da população vulnerável e vivendo em situações de pobreza, sem condições adequadas de higiene e moradia. Esse é um cenário propício para a disseminação da doença, especialmente com formas mais contagiosas do coronavírus.

E em países onde a vacinação estava avançada?
Mesmo em países com situações razoavelmente semelhantes, o impacto da variante é diferente. É o caso do Reino Unido, da Alemanha e de Israel, por exemplo.

Todos têm taxas de vacinação parecidas e tinham pouco mais da metade da população imunizada com ao menos uma dose quando a delta se tornou dominante. Naquele momento, as três nações também já flexibilizavam medidas de isolamento social.

Reino Unido e Israel viram grandes explosões de novos casos. Já a Alemanha teve um crescimento moderado nas contaminações, embora os casos continuem a crescer.

Em relação às mortes pela doença, não houve grande impacto na Alemanha, e elas estão em queda.

No Reino Unido, houve crescimento, embora em padrão muito menor do que em momentos críticos da pandemia, e agora a tendência é de estabilidade. No início de julho, a média móvel era de 16 novos óbitos. Na terça, girava em torno de 90 —no ponto mais alto da pandemia, em janeiro, passou de 1.200.

Em Israel, por sua vez, a alta foi considerável: de semanas com zero mortes em julho, agora tem média móvel de 18 óbitos (ou 2 por milhão).

Isso acendeu dúvidas sobre uma possível diminuição da efetividade da vacina ao longo do tempo e frente à delta, especialmente nos idosos, que têm o sistema imunológico mais comprometido. Para tentar barrar a alta de hospitalizados, o governo iniciou a administração de uma terceira dose da vacina a fim de reforçar a proteção.

Por que a situação varia tanto?
Há muitos fatores que interferem no modo como a Covid se dissemina e especialistas reforçam que o controle da pandemia depende da combinação de medidas protetivas.

Locais diferentes adotam diferentes regras de contenção, como restrições ao funcionamento de estabelecimentos e circulação de pessoas, uso de máscaras, testagem, rastreamento de contatos e vigilância de fronteiras.

Há ainda questões sociais ligadas a moradia, higiene e condições de manter o isolamento sem ter que se arriscar para trabalhar.

Por fim, há a questão da vacinação desigual. “Existem muitas incertezas [sobre o impacto das variantes]. Um ponto crucial é a velocidade da vacinação. Mas temos vacinação com diferentes vacinas, com diferentes eficiências para uma variante ou outra. Há também muitos países com vacinação avançada só na primeira dose, como o Brasil”, diz Wallau, da Fiocruz.

O que se sabe sobre a delta no Brasil?
A variante foi detectada em diferentes estados, mas ainda é difícil ter dimensão da sua propagação devido à baixa testagem e à vigilância genômica bastante desigual regionalmente.

Embora amostras da delta sejam 73% das submetidas ao Gisaid desde o dia 26 de julho, esse grupo compõe um número muito pequeno de amostras e não é representativo do país. Segundo os pesquisadores Sabbaga e Wallau, os dados até o momento indicam grande predominância no Brasil da variante gama, originalmente surgida no Amazonas.

Um foco de preocupação é o Rio de Janeiro, que teve casos confirmados e tem visto crescer o número de infecções e hospitalizações. Ainda é cedo para dizer, porém, se isso é efeito da delta ou do relaxamento de medidas de isolamento social —ou dos dois.

De modo geral, os casos e mortes estão em queda no país desde abril. Especialistas afirmam que é difícil prever o impacto da delta por aqui, uma vez que a vacinação tem acelerado e que a disseminação da variante pode ser reduzida pela dominância da gama.

“As variantes se comportam de um jeito ou de outro a depender do cenário. A delta está querendo crescer, mas ainda não é a prevalente, é a P1 [gama]. Pode ser que ela dê conta da P1 e se sobressaia, pode ser que não”, diz Sabbaga, do Butantan.

Como funciona a vigilância genômica nos países?
A vigilância genômica consiste no sequenciamento de parte de amostras positivas do vírus. É isso que permite a detecção de novas variantes e possibilita compreender a dimensão que ganham entre a população e o território.

O Reino Unido é a maior referência mundial em sequenciamento genômico. Cerca de um quarto de todas as amostras disponíveis no CoVariants foi sequenciado lá.

E no Brasil?
A vigilância genômica por aqui esbarra em problemas já conhecidos da ciência brasileira: falta de investimento em pesquisa, escassez de equipamentos, dificuldade de importar insumos que se tornaram mais caros e escassos com a pandemia.

Como os casos estão em queda no país, hoje a vigilância consegue ser mais efetiva, já que cresce o percentual de amostras positivas que passam por sequenciamento. Ou seja, os pesquisadores conseguem ter uma noção mais precisa do cenário total mesmo que não ampliem o número de amostras analisadas.

O Ministério da Saúde não informou o total de amostras sequenciadas, mas disse que a Fiocruz tem capacidade para analisar cerca de 3.000 por semana. Isso equivale a 1,5% dos casos confirmados nos últimos sete dias.

Em São Paulo, o Butantan sequencia atualmente pouco mais de mil amostras por semana, cerca de 10% dos testes positivos do estado.

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