Flávia Borja (PP) usou a tribuna da Câmara Municipal para entoar discurso; colega de Casa, Iza Lourença (PSOL), intercedeu para dizer que transfobia é crime equiparado ao racismo
O GLOBO
A vereadora Flávia Borja (PP) usou a tribuna da Câmara de Belo Horizonte, capital mineira, para fazer um discurso que foi considerado transfóbico. Em sua fala, a parlamentar afirmou que pessoas transexuais não são “bem-vindas na sociedade”, sob o argumento de cunho religioso de que “Deus fez homem e mulher”. Em seguida, a colega de Casa, Iza Lourença (PSOL) usou o palanque para contrapor a vereadora. “Transfobia é crime”, disse a psolista.
A fala ocorreu em meio a uma sessão parlamentar na tarde desta terça-feira. A vereadora criticava o projeto de lei 162/2021, apresentado pela atual deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), que prevê aplicação de multa para estabelecimentos que discriminarem pessoas por sua orientação sexual.
— É mais um projeto que tenta “enfiar goela abaixo” ideologia de gênero aqui na capital mineira (…) Nós temos a liberdade de expressão, a liberdade de crença. Estamos aqui, como bancada cristã, para não aceitar essa imposição de uma política de identidade de gênero, principalmente tirando o lugar das mulheres. Para mim, isso é defesa das mulheres (…) Deus fez homem e mulher. E o que passar disso não é bem-vindo na nossa cidade — afirmou.
Em seguida, Lourença subiu na tribuna da Câmara. A vereadora relembrou que transfobia é crime:
— O que tira espaço de mulher na política não são as mulheres travestis. O que tira espaço de mulheres na política são as chapas que fazem candidaturas laranjas e homens que se elegem em cima dessas candidaturas. Gostaria de dizer para a vereadora que transfobia é crime. Liberdade religiosa e de expressão não são passe livre para você discriminar as pessoas — disse a psolista.
Ao GLOBO, Flávia Borja afirmou que foi mal interpretada:
— O que eu disse foi “o que passar disso” e não “quem”. Minha posição não é contra pessoas, pessoas são bem-vindas em todos os lugares, inclusive na igreja evangélica. Naquele momento estávamos discutindo um projeto de lei que queria impor a identidade de gênero aos comerciantes da cidade. A população não aceita isso — disse a vereadora.
Por lei, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), datada de 13 de junho de 2019, tipificou a criminalização da LGBTfobia. Atualmente, tais delitos podem ser enquadrados na legislação já existente que define os crimes de racismo.
“As condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, se enquadram nos crimes previstos na Lei 7.716/2018 e, no caso de homicídio doloso, constitui circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe”, afirmou o STF na ocasião, em referência à lei do racismo.
A declaração de Flávia Borja ocorre quase um mês após o discurso transfóbico do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) no Congresso Nacional. O ex-vereador de BH usou a tribuna no dia 8 de março para, em tom de deboche, afirmar que se “sentia mulher” tendo “lugar de fala” para discursar sobre a efeméride — Dia Internacional da Mulher. Ao GLOBO, Iza Lourença relatou os constantes discursos transfóbicos que, antes, eram entoados por Ferreira na Casa Municipal.
— O que me entristece é que por nós, ainda sermos minorias políticas, temos que aguentar uma violência que já é crime no Brasil. A transfobia é crime, mas dentro do parlamento brasileiro acontece. É uma sensação de impunidade bem grande — disse em entrevista.
A reportagem também entrou em contato Câmara de Belo Horizonte e será atualizada em caso de manifestação.