Voçorocas de cidade do Maranhão crescem com as chuvas: ‘Era como se uma banda do mundo estivesse caindo’, diz moradora

Cratera surge como sulco, pequeno e raso, evolui para ravina, ganha profundidade e, por último, vira voçoroca ao atingir o lençol freático, explica especialista

Voçorocas engolem cidades em Buriticupu, no Maranhão. Foto: Marinho Drones

O GLOBO

Restaram poucas casas na Rua do Arame, que aos poucos desaparece do mapa de Buriticupu, no interior do Maranhão. A apenas 200Km de Bacabal, onde o presidente Lula esteve ontem devido à devastação deixada por uma forte enxurrada, a cidade já foi considerada sob risco de desaparecer. Ali, um fenômeno incomum, em parte natural, está sendo agravado pela erosão e, sobretudo, por chuvas cada vez mais atípicas devido a mudanças climáticas.

Enquanto 64 municípios do Maranhão decretaram situação de emergência, Buriticupu optou por um grau acima: calamidade pública. Lá, a chuva não alaga porque escorre para os grandes “cânions” — as voçorocas são fendas, de formas mais ou menos regulares, e podem ser gigantes. O termo vem do tupi-guarani e quer dizer “terra rasgada”. A ciência não tem uma solução definitiva para as voçorocas, que crescem com a chuva.

A cerca de 40 metros da Rua do Arame, Silviele Oliveira, de 46 anos, diz que ainda não abandonou o lugar porque não tem para onde ir. Toda vez que chove, como ontem, o coração fica apertado.

— Várias pessoas saíram. Daqui de onde estou, já consigo ver a cratera — conta ela, que costuma ficar na janela olhando a voçoroca, como se pudesse prever o exato momento em que ela ultrapassará os atuais 390 metros de extensão.

Desmatamento é causa

A orientação de especialistas é evitar desmatamento, erosão e assim impedir que a água penetre em camadas mais profundas do solo. A pesquisadora Heloisa Ferreira Filizola, doutora em geografia física pela USP (Universidade de São Paulo), explica que a cratera surge como sulco, pequeno e raso. Depois, se não houver contenção, evolui para ravina, ganha profundidade e, por último, vira voçoroca ao atingir o lençol freático. É a “erosão antrópica” causada pela ação humana, observa.

— Nenhuma voçoroca nasce voçoroca. Mas, à medida que se tem derrubada da vegetação, impermeabilização das ruas com asfalto e fatores naturais como solo frágil e declive alto, se forma o conjunto perfeito para seu surgimento.

As voçorocas ameaçam engolir 220 casas, algumas com rachaduras, em Buriticupu. A cidade é a face de um dos muitos problemas enfrentados por moradores de outras regiões do Maranhão, que se amplificam no período de chuvas no estado, entre janeiro e maio. Ontem, ao sobrevoar a região de Trizidela do Vale, o presidente Lula lamentou a situação, disse que era “preciso cuidar das pessoas que foram vítimas”, mas também afirmou que as chuvas são necessárias. Entre 18 e 20 de março, seis pessoas morreram e, neste momento, 35 mil maranhenses foram afetados pelas enchentes e 7,7 mil famílias ficaram desabrigadas.

— A gente às vezes fica chateado, mas temos que agradecer a Deus a chuva porque muitas vezes o Brasil está precisando de chuva. Este ano não vamos ter problema de energia porque todos os nossos lagos e hidrelétricas estão cheios. Temos que cuidar das pessoas que foram vítimas.

Medo à espreita

A artesã Geumacy da Silva, de 43 anos, morava ao lado de uma voçoroca. Os sinais de chuva no céu já a deixavam em pânico.

— O desespero começava antes de a chuva cair. Quando estávamos em casa, sempre se escutava a barreira deslizando. Era como se uma banda do mundo estivesse caindo. A casa sacudia. À noite, ninguém dormia com medo — relatou ela que, há cinco anos, se mudou para um residencial de casas vendidas para pessoas de áreas de risco, mas que, de acordo com ela, já sofre com “algumas descidas de água”.

Há um mês, Geumacy foi visitar a antiga moradia. Mas a casa em que viveu tinha desaparecido junto com a de outros vizinhos. Os moradores alegam que o auxílio moradia só é oferecido a quem mora a até 10 metros das fendas. Ao GLOBO, o prefeito de Buriticupu, João Carlos Teixeira da Silva (Patriotas), afirmou que a informação “não procede”. Ele assegurou que a gestão municipal avalia cada caso, faz retirada das pessoas de acordo com o “risco imediato” que cada uma corre e está fazendo um levantamento sobre o grupo mais vulnerável, mas considera o problema “sob controle”.

— É uma situação grave, mas acredito que haja sensacionalismo — afirma, destacando que o fenômeno existe há mais de 30 anos.

O município declarou calamidade pública em 26 de abril com base em um relatório técnico apontando que cerca de 880 pessoas estão “expostas a alto risco” pela proximidade das crateras e pelas fortes chuvas. O Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional informou que serão destinados R$ 800 mil para Buriticupu, a partir da apresentação de estudos técnicos. O município planeja obras de drenagem e replantio da vegetação.

Presidente da Associação de Moradores das Áreas Atingidas pelas Voçorocas, criada no ano passado, Isaías Neres Aguiar, de 53 anos, vive perto de uma voçoroca de 60 metros de diâmetro, que há 15 anos tinha um metro. Aguiar estima que terá que se mudar dentro de um ano.

— As voçorocas estão, principalmente, na periferia da cidade, onde moram as pessoas mais pobres— observa, acrescentando que a entidade serve para chamar a atenção das autoridades para o drama vivido pela população do município.

*Estagiário sob supervisão de Carla Rocha

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