Ucraniano faz sua primeira viagem internacional desde a invasão russa, onde recebeu a promessa de mais ajuda militar, incluindo o sistema de defesa aérea que pode mudar o rumo da guerra
Estadão
WASHINGTON – O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, chegou aos Estados Unidos nesta quarta-feira, 21, em sua primeira viagem ao exterior desde a invasão russa, que completou 300 dias. Ele foi recebido por Joe Biden na Casa Branca e mais tarde fará um discurso ao Congresso. Pouco antes de sua chegada e reforçada em entrevista coletiva, os EUA confirmaram sua promessa de enviar quase US$ 2 bilhões (R$ 10 bilhões) em ajuda, além do importante sistema antiaéreo de mísseis Patriot.
Zelenski pousou em um avião militar dos EUA na Base Aérea de Andrews após uma viagem secretamente organizada por motivos de segurança. Sua viagem ocorre quando o Congresso americano finaliza um novo pacote de US$ 45 bilhões (R$ 284 bilhões) em assistência à Ucrânia em 2023.
A visita e a confirmação de envio dos armamentos, o mais avançado que o Ocidente mandou para a Ucrânia até agora, foram vistos pela Rússia como um sinal de agressão. Nesta quarta-feira, antes mesmo do encontro entre Zelenski e Biden, o presidente russo, Vladimir Putin, disse que seu país continuará desenvolvendo seu potencial militar e que vai deixar suas forças nucleares “prontas para o combate”. Em uma coletiva de fim de ano, com participação de quase 15 mil oficiais, o presidente russo disse que as novas entregas de armas à Ucrânia agravarão o conflito. Também anunciou que a Marinha terá novos mísseis de cruzeiro hipersônicos Zircon no início de janeiro, desenvolvidos nos últimos anos por Moscou.
Biden e a primeira-dama Jill Biden cumprimentaram Zelenski, que usava um traje casual verde militar, ao sair do veículo. Ele apertou a mão de Biden antes de entrarem para a reunião no Salão Oval. Falando em inglês ao chegar, Zelenski disse que era uma grande honra estar na Casa Branca e afirmou que o apoio dos EUA permitiu que a Ucrânia se defendesse: “Todas os meus agradecimentos, do meu coração, do coração de todos os ucranianos.” O líder ucraniano deu a Biden uma medalha militar de um dos soldados ucranianos servindo na linha de frente. “Imerecido, mas muito agradecido”, respondeu Biden.
Os congressistas americanos compararam sua visita à aparição de Winston Churchill no Natal no Capitólio em 1941, poucos dias após o ataque japonês a Pearl Harbor que envolveu os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.
Sistemas Patriot
Antes da chegada de Zelenski, os Estados Unidos anunciaram outros US$ 1,85 bilhão (R$ 9,6 bilhões) de fundos previamente orçados para a Ucrânia, incluindo pela primeira vez o avançado sistema de defesa aérea Patriot, capaz de abater mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos de curto alcance. Biden oficializou o envio durante entrevista coletiva ao lado de Zelenski e, quando questionado por jornalistas se o envio do Patriot não poderia escalar a guerra, Biden rejeitou dizendo se tratar de um sistema de defesa.
O pacote inclui US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhões) em armas e equipamentos dos estoques do Pentágono, incluindo a bateria Patriot, e US$ 850 milhões (R$ 4,4 bilhões) em financiamento por meio da Iniciativa de Assistência à Segurança da Ucrânia. Parte da assistência será usada para financiar um sistema de comunicações por satélite, que provavelmente incluirá o crucial sistema da SpaceX Starlink, de propriedade de Elon Musk. Durante a coletiva, Biden também anunciou US$ 374 milhões (R$ 1,9 bilhão) em assistência humanitária para os ucranianos.
“Tenho boas notícias voltando para casa. O presidente Biden anunciou um novo pacote de apoio à defesa, cerca de 2 bilhões de dólares, e o elemento mais forte desse pacote é o sistema Patriots, algo que fortalecerá significativamente nossa defesa aérea”, disse Zelenski. Entre risos, ele admitiu: “Vamos querer mais Patriot. Desculpe. Estamos em guerra”.
Os sistemas de mísseis Patriot são considerados um dos melhores escudos antiaéreos do mundo. Analistas militares consideram o envio um ponto de virada na guerra – algo que o presidente ucraniano busca há meses para aumentar as defesas aéreas de seu país. Porém, não está claro quando o Patriot chegará às linhas de frente, já que as tropas dos EUA terão que treinar as forças ucranianas. O treinamento pode levar várias semanas e deve ser feito na Alemanha.
Cada bateria do Patriot consiste em um sistema de lançamento montado em caminhão com oito lançadores que podem conter até quatro interceptadores de mísseis cada, um radar terrestre, uma estação de controle e um gerador. O Exército americano disse que atualmente tem 16 batalhões Patriot. Um relatório do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de 2018 descobriu que esses batalhões operam 50 baterias, que possuem mais de 1.200 interceptadores de mísseis.
“O sistema Patriot é um dos sistemas de defesa de mísseis aéreos mais amplamente operados, confiáveis e testados que existe”, e a capacidade de defesa de mísseis balísticos pode ajudar a defender a Ucrânia contra mísseis fornecidos pelo Irã, disse Tom Karako, diretor do Missile Defense Projetct do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
A Ucrânia teme um crescente ataque de mísseis russos e tem enfrentado uma série de ataques de drones, muitos deles comprados por Moscou do Irã. As forças russas bombardeiam usinas de energia e outras infraestruturas civis no momento em que o país chega ao inverno.
Ao longo dos anos, o sistema Patriot e os mísseis utilizados por ele foram continuamente modificados. O atual míssil interceptador para o sistema Patriot custa aproximadamente US$ 4 milhões (R$ 21,3 milhões) por disparo e os lançadores custam cerca de US$ 10 milhões (R$ 53,3 milhões) cada, informou o CSIS em seu relatório de defesa antimísseis de julho.
A esse preço, não é rentável ou ideal usar o Patriot para abater os drones iranianos, muito menores e muito mais baratos. “Disparar um míssil de um milhão de dólares contra um drone de US$ 50.000 é uma proposição sem sentido”, disse Mark Cancian, coronel da reserva aposentado do Corpo de Fuzileiros Navais e conselheiro sênior do CSIS.
Volodmir Fesenko, chefe do think tank Penta Center, com sede em Kiev, disse que a visita de Zelenski aos EUA “deve determinar o curso da guerra – Zelensky pela primeira vez ousou deixar a Ucrânia e está contando com a capacidade de manter, e possivelmente até mesmo fortalecer a assistência militar e econômica dos EUA”.
A visita de Zelenski ocorre em um momento importante, com a Casa Branca se preparando para uma maior resistência quando os republicanos assumirem o controle da Câmara em janeiro e derem mais escrutínio à ajuda à Ucrânia. O líder do Partido Republicano, Kevin McCarthy, disse que seu partido não assinará um cheque em branco para a Ucrânia.
Necessidade x dificuldade de implantação
“Este será o equipamento mais desafiador que a Ucrânia recebeu até hoje”, disse Mark F. Cancian, oficial militar aposentado dos EUA no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, cuja pesquisa durante a guerra se concentrou em suprimentos de armas. “Se os ucranianos tivessem um ou dois anos para absorver o Patriot, isso não seria um problema. … Meu palpite é que o Pentágono está muito nervoso com isso”.
Cancian disse que o Pentágono está “correndo um grande risco” ao implantar o sistema Patriot. “Acho que eles decidiram isso porque a necessidade de defesa aérea era tão grande, que eles estavam dispostos a correr um risco que não era o caso no passado.”
O sistema Patriot conta com um radar sofisticado para detectar ameaças recebidas e dispara mísseis de longo alcance para interceptá-las. Seus lançadores ficam em um chassi de caminhão e são altamente móveis. Cerca de 90 soldados são designados para um batalhão Patriot típico, que inclui até oito lançadores, cada um contendo entre quatro e 16 mísseis prontos para disparar, dependendo do tipo de munição.
Embora seja necessária uma equipe de apenas três pessoas para operar o sistema depois de implantado, geralmente é necessário uma ampla rede de apoio ― o sistema foi projetado para ser usado em nível de batalhão, com cada um deles incluindo um quartel-general, empresa de manutenção e especialistas em comunicação.
Os mísseis lançados pelo Patriot podem atingir altitudes de até 79.000 pés, com alcance operacional, dependendo do tipo de munição utilizada, de até 160 km, para uso contra mísseis balísticos e de cruzeiro, bem como aeronaves.
Putin também aloca fundos
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que novas entregas de armas dos EUA a Kiev levarão a uma agravamento do conflito e não são um bom presságio para a Ucrânia.
Em um discurso televisionado para comandantes militares seniores, o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que Moscou não era o culpado pela invasão e concordou que a Rússia precisava de um exército maior. “A capacidade de combate de nossas forças armadas está aumentando constantemente”, disse Putin.
“O que está a acontecer é, claro, uma tragédia, a nossa tragédia comum. Mas não é o resultado da nossa política. É o resultado da política de terceiros países”, acrescentou. “Não temos limites para financiamento. O país e o governo estão dando tudo o que o exército pede. Tudo.”
Seu ministro da Defesa, Serguei Shoigu, disse que as forças armadas da Rússia devem ser expandidas dos atuais 1 milhão para 1,5 milhão em meio aos combates na Ucrânia./AP, AFP, W.POST e NYT