Existe um descompasso entre a expectativa do retorno educacional e a realidade
Não é que as pessoas de baixa renda não valorizem a educação. Elas simplesmente enfrentam um labirinto de dilemas diários que tornam o investimento educacional mais arriscado e complicado do que para os grupos mais privilegiados de nossa sociedade.
Mesmo quando levamos em consideração o caso da educação pública, não podemos desconsiderar que aqueles que possuem uma renda muito limitada ainda precisam arcar com vários custos indiretos da educação, como, por exemplo, transporte, materiais escolares, alimentação e uniformes, além do tempo que poderia ser usado para dedicarem-se a trabalhos que complementam a renda familiar.
Ao mesmo tempo, devemos lembrar que, nas regiões mais desfavorecidas, aquelas mesmas que precisariam ter mais investimentos em equipamentos públicos para garantir que a população tenha melhores chances de ascender socialmente, geralmente são as que apresentam escolas com menos recursos, professores com qualificação mais baixa e infraestrutura precária.
Estes são alguns fatores que contribuem para a geração de um ensino básico e médio de baixa qualidade. Um ensino que cria dificuldades adicionais para que nossos jovens em situação de vulnerabilidade social consigam avançar e tenham condições de competir em exames seletivos como o Enem, ou entrar nas melhores universidades.
Entretanto, esses fatores convencionais conseguem explicar apenas uma parte da desigualdade educacional. O problema vai além. Para muitas famílias de baixa renda, o retorno esperado da educação é baixo e isso afeta as escolhas que elas fazem em relação a esse investimento.
A percepção do baixo retorno esperado é reforçada pelo fato de que nem sempre o investimento educacional é proporcional ao esforço que colocamos nele. A dura realidade brasileira é que o mercado de trabalho não costuma valorizar ou recompensar as credenciais acadêmicas daqueles que vêm de contextos sociais mais desfavorecidos.
Muitos jovens de baixa renda têm constatado que, mesmo com um diploma, as oportunidades de emprego e ascensão profissional continuam limitadas, seja pela ausência de contatos no mercado de trabalho ou pela presença de preconceitos e discriminação.
Existem ainda outros fatores que fazem com que o retorno esperado da educação seja significativamente menor nas camadas mais desfavorecidas da sociedade. Entre os mais pobres, há uma ausência de modelos sociais a serem seguidos. Há uma grande ausência de referências que mostrem o caminho e digam que é possível chegar lá.
Muitos daqueles que estão marginalizados não sabem a remuneração dos trabalhos de maior nível de qualificação e qual deveria ser a trajetória para conquistar determinados espaços. Eles observam apenas a dura realidade de seu meio social e a reproduzem. Nesse contexto, quando você não consegue se imaginar em algo maior, dedicar-se a algo maior não é uma possibilidade. Quando não oferecemos a esses jovens uma visão e possibilidade concreta do que eles podem se tornar, estamos negando não somente a eles uma oportunidade de transformação, mas também estamos negando a nós mesmos o que podemos nos tornar como sociedade.
O texto é uma homenagem à música “Oricuri”, composta por José Briamonte, interpretada por Clara Nunes, João do Vale e José Briamonte.
Fonte: Folha de São Paulo