Redução do ICMS se tornou o novo Fla-Flu nacional com uma grande derrota para os governadores

Confusão entre o que é temporário e permanente pode comprometer a trajetória de ajustamento fiscal de alguns Estados prevista nos acordos de dívida

Bolsonaro; governo soltou nota técnica que aponta que Estados e municípios têm dinheiro sobrando em caixa e que, com essa folga, deveriam devolver os recursos à sociedade.  Foto: Adriano Machado/Reuters

Por Estadão

COLUNISTA
Adriana Fernandes

No afã de conseguir apoio à aprovação do projeto que reduz permanentemente as alíquotas do ICMS, o governo federal soltou uma nota técnica na qual contradiz pareceres do Tesouro que serviram de base à aprovação do regime de recuperação fiscal de Goiás e do Rio Grande do Sul.

A nota aponta que os Estados e os municípios têm dinheiro sobrando em caixa e que, com essa folga, deveriam devolver os recursos à sociedade – ou por transferências de renda, ou por redução de tributos.

O mesmo texto foi citado pela Advocacia-Geral da União na resposta à proposta de acordo sobre a redução do ICMS que as secretarias estaduais fizeram ao Supremo Tribunal Federal.

O governo rejeitou a proposta dizendo que o nível da arrecadação já retornou à tendência de antes da pandemia e, por isso, não seria necessária a compensação integral de perdas arrecadatórias como propuseram os Estados.

A folga fiscal de Estados e municípios mencionada na nota (R$ 204 bilhões ou 2,4% do PIB em 2021) diverge do indicador semelhante estimado pelo Banco Central, que apontou superávit de R$ 62 bilhões ou 0,7% do PIB.

O diagnóstico benigno sobre as finanças estaduais também diverge dos pareceres do Tesouro sobre a proposta de regime fiscal de Goiás e do Rio Grande do Sul. Nesses pareceres, espera-se que Goiás seja capaz de custear seu serviço da dívida com recursos próprios, de superávits primários, a partir de 2027. No caso do Rio Grande do Sul, o prazo é mais longo, de 2028.

Além de não levar em conta esse diagnóstico, a nota técnica contém erros de contabilidade ao tratar as estatísticas fiscais do Tesouro, alertaram especialistas ouvidos pela coluna. Por exemplo, infla a receita conjunta de Estados e municípios (de 20,8% para 23,3% do PIB) ao esquecer de expurgar da soma os valores transferidos de uns governos para outros. É como se o IBGE, ao computar a renda de uma família, somasse a mesada dos filhos.

Outro equívoco apontado pelos especialistas é desconsiderar que parte importante do crescimento recente de arrecadação é temporária e está relacionada justamente à inflação e aos efeitos do aumento do preço do petróleo e da taxa de câmbio sobre o preço dos combustíveis.

Essa confusão entre o que é temporário e permanente pode comprometer a trajetória de ajustamento fiscal de alguns Estados prevista nos acordos de dívida.

Com aprovação ampla dos deputados, inclusive do PT, a redução do ICMS se tornou o novo Fla-Flu nacional com uma grande derrota para os governadores. Ao contrário do que muitos esperam, uma reforma tributária justa e progressiva pode estar cada dia mais distante. A reforma que o Congresso mostrou que quer é uma só: queda de tributos.

*REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA

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